Era um edifício moderno, de aspecto agradável, mesmo ao cimo da avenida, fazendo esquina com antigo quartel da Guarda-Fiscal.
Empurrei a porta de vidro e fui entrando; à minha direita o serviço de finanças e à esquerda o serviço de tesouraria. Dirigi-me ao funcionário das finanças para entregar a relação de bens.
Já nos conhecíamos, porque, por coincidência, trabalhara numa pequena cidade onde fiz o meu estágio de advocacia. Recebeu-me pois cordialmente e despachou-me com eficiência, mas, pela quantidade de papéis que teve de confirmar, demorou-me bem mais de meia hora.
Enquanto me atendia, na secretária ao lado outro funcionário recebia os papéis de IRS de um contribuinte. Andariam os dois, funcionário e contribuinte, pela mesma idade, e pelo teor da conversa, que não pude deixar de ouvir, conheciam-se perfeitamente.
O funcionário percorria com o lápis todo o formulário e assinalava a cruzinhas os campos de confirmação. Chegados às deduções à colecta, benefícios fiscais, reparando que o contribuinte declarara uma doação para a associação de desenvolvimento local, levantou os olhos do formulário:
- Ouve cá! E o número de contribuinte?
- Qual número?
- O Número da associação… tens que dar para controle… sabias?
- Eu sei lá agora o número…
-Espera lá – levanta-se e regressa com o jornal da terra- pode ser que venha no cabeçalho… - e lendo a capa- vá… desta tens sorte… cá está!
E prosseguindo a leitura do campo das doações, faz um trejeito, leva a mão à calva, contorce-se, atira:
- Bem… aqui diz que doaste quinhentos euros para a igreja... hum...
- Sim… Doei…Qual a dúvida?
-Hum… É que não te vejo capaz de um gesto desses…
- Deixa-te de coisas… doei… já disse… quinhentos euros…
- Foi para as festas do S. João… foi?
- Não… Para as obras do telhado.
- Hum… E para o telhado porquê; se nem à missa vais?
- Ouve lá… Também tenho de me confessar?
- Confessar não… Mas o senhor prior passou-te papel disto?
- Sim passou…
- Pronto... assim fica tudo em ordem. – E devolvendo o formulário - não te sabia tão religioso…
O contribuinte arrumou os papéis numa pasta que trazia, deu um aperto de mão ao funcionário e saindo, perguntou já da porta:
- Ouve lá!... Há mesma hora do costume, na Gertrudes… Para almoço?
E o funcionário, com um gesto de cabeça, anuiu.