Isabel Valério
De Badamalos,
Da casa ao fundo do povo,
Que saudades eu tenho
Daquele tempo
Em que te sentavas à lareira
A fazer o caldo!
A água fervia,
As batatas coziam primeiro,
Esmagadas na colher de pau,
Depois a carne, o feijão, as couves,
E aquele cheirinho
A cozido,
Subia do borralho,
Invadindo a casa
E saía pela janela,
Para a rua.
Quantas vezes nas férias
Fazia o caminho a pé
Só para ir assistir àquele ritual
Sagrado
De te ver fazer
O caldo
Com aqueles gestos calmos,
Medidos, ancestrais,
Que eu já sabia de cor,
E no fim,
A concha a mergulhar na panela
Bem fundo,
E a emergir
Com o melhor naco de carne,
A tigela a fumegar,
O fiozinho de banha
A nadar à tona
Com a carne, o feijão
E as couves.
Ai que saudades,
Isabel Valério de Badamalos,
Da casa ao fundo do povo!
Que saudades do teu caldo
A fumegar na tigela,
Libação dos homens
Aos deuses,
Aconchego do meu estômago,
Regalo da minha alma
Satisfação dos meus olhos…
E saudade…
Muita saudade...
Grata lembrança de alguém
Que há muito
Foi embora.