O tio de que mais gostei, confesso-o hoje, foi o meu Tio Francisco "Joano", casado com a irmã mais velha de meu pai.
Foi um homem simples, honrado, trabalhador, alegre, cumpridor das leis de Deus e dos homens. Era de estatura invulgarmente baixa, orelhas de abano e de uma expontâneadade invulgar, mesmo nas situações mais embaraçosas.
Viveu numa casa rústica, de rés-do-chão a servir de adega e onde se guardavam as tulhas de pão, com um minúsculo primeiro andar de habitação, dividido ao milímetro, onde conseguiu meter uma pequena sala, dois quartos em tabique, uma vasaleira imbutida na parede e uma cozinha, separada do estreito corredor por uma parede em tabuinhas pintadas a verde. Foi naquela pequena casa, onde mal duas pessoas juntas conseguiam esticar os braços, que criou a numerosa prol de sete filhos.
Pois, quando morreu o meu outro tio, ofereceu a salinha, com tabuado já comido do caruncho, para o velório. A meio da noite, com o peso da gente, o chão cedeu e acabaram todos no rés-do-chão, entre pipas de vinho e tulhas de pão, mais o morto.
O Tio Francisco, levantando-se de uma nuvem de pó, entre duas pipas, afastando de cima o morto, desabafou:
- Desculpa lá o mau geito Manel... desta vez vais ter de ir para esse lugar, mas sem mim!
Entre choros do velório e os ais da queda, ouviu-se um uma risada geral. E ele, não se dando por achado, ajeitando a farpela ao morto, virou-se para a viúva chorosa, acrescentando:
- Descansa cunhada... ele não se aleijou - e apontando o morto- vês?
E ela, dizem, riu também a bom rir.