Vêm à nossa aldeia desde que me lembro de ser gente - primeiro os pais e avós, agora eles - tocar na festa em honra do Divino Senhor dos Aflitos, no primeiro Domingo de Setembro. Conhecem as nossa famílas, nós as deles; eles lá nas faldas da Estrela, em Loriga; nós aqui neste ermo de Riba-Côa, Vilar Maior.
Ontem fizeram-nos uma surpresa. Juntaram um grupinho de vinte e apreceram expontâneamente com os instrumentos na festa de S. Sebastião. Percorreram as ruas da aldeia a tocar e abrilhantarm a missa e a procissão.
O Almoço foi na praça: Assadores em fila, quilos de carne, bom vinho e azeitonas talhadas do Augusto, queijo fresco da Ti Elvira -ah que consolação- e pimentos curtidos da Leonor - o estômago hoje ressentiu-se-, todos em excelente convívio.
Depois no Gata, a lareira acesa, o Vicente ao acordeão e todos em roda a cantar fado, canções de Coimbra, modinhas populares.
Ontem à roda daquela fogueira, enquanto cantavamos, reafirmámos a velha aliança tribal dos pastores Lusitanos da estrela e dos pastores Vetões de Riba-Côa contra o invasor romano. É que foi aqui -e em mais parte nenhuma- com as águas do nosso Cesarão, que os nossos antepassados amassaram a farinha e o fermento que daria Portugal.
Ontem, decorridos tantos séculos, à roda de uma fogueira, os mesmos pastores simples, rudes, frugais, o mesmo calor humano, a mesma generosidade e franqueza que não existe em mais parte nenhuma do mundo. Em nenhuma, mesmo!
Ontem, eu, que alegria! que satisfação! fui também pastor; entrei na roda e abraçando os dois músicos a meu lado, cantei também:
" Os teus olhos já foram meus, ai agora são d'outro",
E o calor inundou tanto a sala, que tivemos que abrir as portadas para que pudesse entrar o frio glaciar da rua.
Aqui todos nos esqueceram, todos nos abandonaram. Neste recanto de terra acima do Côa faz um frio de rachar, o rio congela, as arvores tremem, mas os homens ainda resistem, porque aqui nasceu e há-de um dia morrer Portugal.