Cinco da manhã no relógio da cabeceira. Na rua, um bêbado canta num razoável contralto a aria "la dama es mobile"... chega à parte mais aguda e vacila... esganiça-se. Silêncio de segundos. Ataca de novo a melodia, já à porta do prédio... nova hesitação à parte mais aguda... voz esganiçada e nova pausa. No quarto ao lado a Catarina reclama:
- Ó pai, quero dormir!...
- Ó filha, é lá fora... não sentes?
O bêbado dá um sonoro "traque", bem audível no segundo andar. Sobe agora a melodia da "avé maria" de Mozart em nítido contrabaixo... - é um cantor a dois registos de voz, concluo eu na cama- a voz afasta-se, cada vez menos audível.
Ouve-se o barulho de contentores do lixo já longe a chocarem. Recomeça a cantoria do "la dama es mobile" , menos nítida agora. Dou uma volta na cama e pego outra vez o sono... a cabeça a trauteando: "la dona es mobile"... "la dona es mobile"... "la dona es mobile"...