Duas da tarde. Abre-se uma porta de par em par. Na sala, por detrás de uma grande secretária, estava sentado um homem jovem com um cabelo escuro e olhos pisados. Levantou os olhos dos papéis e estendeu-me a mão. Atrás de mim entrou a colega com o funcionário e de mão estendida, disse:
-Parabéns, senhor doutor pelo novo rebento. Como estão, filhota e mãe?
O jovem Juiz sorriu; fechou o processo e atirando-o para a pilha onde já se amontoavam outros, correspondeu ao cumprimento:
-Obrigado doutora. Estão bem, graças a Deus. Mas a cachopa é insaciável. – E iluminando-se-lhe o rosto, prosseguiu com voz suave e terna – veja lá que tive de me levantar de noite para a acalmar…deitei-a sobre o peito e de tão esfomeada, começou a chupar-me o queixo.
Todos sorrimos imaginado o jovem Juiz com a filhinha recém-nascida naquela íntima cena doméstica. A conversa a partir daí, girou em torno da importância do leite materno na primeira quinzena de vida; do clostro nos seios da esposa do jovem Juiz, que obstruía os mamilos, e aí a colega atreveu-se a sugerir a ordenha para um recipiente, para que se pudesse amamentar a petiz. O jovem Juiz percebendo que já era intimidade a mais, reabriu o processo e atalhou:
-Senhores doutores, vamos ao que interessa. Não conseguimos um acordo? Que me dizem?
Aí percebi as olheiras e ar cansado do jovem Juiz. A noite fora mesmo em branco e a vontade de realizar o julgamento nenhuma.
-Senhor doutor, a questão é simples – resumi – : Temos uma doação sob condição resolutiva, mas em que não previram as consequências do incumprimento na escritura. A jurisprudência e doutrina são pacíficas nesta matéria…-aqui a colega deixou claro que não concordava - e ainda que assim não fosse…- continuei, ignorando as objecções - está especificada no saneador a impossibilidade de cumprimento dos meus clientes... -novo trejeito de discordância da colega.
-Mas existe uma acta onde se especificam as condições e as consequências – contrapôs a colega.
-Ai sim, colega? – Ironizei –. Se já existia em 2001, porque só agora aparece com ela? - E com redobrada ironia – será mesmo genuína essa acta, colega?
O jovem Juiz adivinhando o imbróglio em que se iria tornar o julgamento, fez um ar sério; franziu as sobrancelhas, irritou-se.
-Bem… bem… senhores doutores, já “vi o filme todo”… mas vou já avisando – atirou enigmático – comigo ninguém sairá a ganhar deste processo… chamem por favor os vossos clientes!
Entrou o João Tomé que expôs a sua razão. O Presidente da Junta contrapôs a da Junta. O jovem Juiz foi sugerindo várias soluções, todas liminarmente rejeitadas por ambas as partes. Passou o tempo e não saiu “fumo branco”. Pegaram-se o Presidente da Junta e o Tomé. Peguei-me eu e a colega. O jovem Juiz perdeu a paciência, consultou o relógio: Três e meia da tarde.
- Senhor funcionário, quantas testemunhas temos?
-Sete, senhor doutor; - e consultando a folha da chamada, confirmou – cinco da Autora, duas dos Réus, não contando o depoimento de parte.
-Então já não há tempo para fazermos o julgamento; - concluiu o jovem Juiz – vamos marcar uma nova data senhores doutores!
Que remédio senão concordarmos… Era um Juiz jovem, mas já “com a escola toda” dos adiamentos!