O portão verde abria para um grande curral. A um canto uma moreia de lenha e o caro de bois; do outro, subia uma escadaria em pedra, com balustradas, até ao piso de cima. Um corredor à entrada, uma porta á direita e a cozinha, o chão em ladrilhos, com uma enorme lareira acesa. A luz reflectia-se nos ladrilhos da parede e um gato preto dormia ao borralho. Do fumeiro pingavam as chouriças, morcelas, bucxos e farinheiras, ainda verdes.
Ao centro a mesa em pinho, coberta com uma toalha de linho antigo, estava posta: pão, queijo de cabra fresco, presunto, azeitonas talhadas e chouriço.
Setámo-nos, petiscámos, bebemos econversámos até tarde. Falámos do aspecto menos legal do muro que o vizinho levantou sobre o curral, depois recordámos os tempos de juventude, quando percorríamos na velha motoreta as festas e bailaricos das redondezas, os costumes antigos e até ao remoto parentesco entre as nossas familias. Então a tua mãe, que estava à volta do lume a preparar a ceia, lá explicou:
- Afinal senhor doutor, ainda somos primos, por parte de seu avô materno... primo direito de meu sogro...
Rimos também daquela noite em que, apeados, fizemos todo o caminho desde Aldeia da Dona.... a mota avariada pela mão.
Com um último copo, despedimo-nos alegremente. Já na porta, detiveste-me pelo braço e não me deixaste saír. Eu a tentar libertar-me e tu a insistires:
- Já que não levas nada pela consulta, não hás-de ir daqui de mãos vazias.
Foste ao varal, e cortando o maior chouriço que estava dependurado, embrulhando-o num jornal, enfiaste-mo no bolso do casaco.
- Anda, leva-o. È para o caminho...
E eu, com o avontade daquelas nossas inesquecíveis noitadas de copos e bailaricos, provoquei-te:
- E o vinho, "Russo"? Onde está o vinho?
E lá veio também vinho... uma bela garrafa de tinto!