Domingo, 21 de Abril de 2013

 

  

 Quatro fidalgos da casa real, escalados para a câmara do príncipe herdeiro, debatiam, numa fria manhã de Inverno, a questão transcendental de quais, entre as centenas de fatos do armário do seu príncipe, lhe deviam vestir, sem que a disparidade de opiniões os levasse a qualquer conclusão:

-Esta casaca azul, com brocados dourados, ficava mesmo bem – sugeria um.

-Não, que é leve para a época do ano; antes este casaco grosso debruado com gola de arminho – contrapunha outro.

- Nem um nem outro combinam com estas botas altas de que Sua Alteza gosta… talvez este dólmen marcial, cheio de medalhas – contra argumentou outro.

- Mas essas botas com esporas são apenas de saír… e como neva, Sua Alteza hoje não pode usar estas botas porque risca o mármore do palácio – objectou o último.

Entretanto, grandes achas de lenha crepitavam na lareira para aquecerem a sala gelada, e os quatro nossos camareiros, continuavam a debater os mais delicados assuntos de alta costura, sem se decidirem quais as roupas vestiriam ao seu príncipe.

Bem, na verdade nem eram quatro camareiros! Rigorosamente eram quatro que discutiam; mas havia um quinto, simples lacaio, de nome Daniel, calado, pensando, e dormitando, cuja espórtula no debate não passava de um ou outro resmungo de aprovação. Nunca discutia e defendia-se da abstenção com o paradoxo de um aforismo:

- Boas cabeças nunca deram boas sentenças… Mas Vossas Senhorias é que sabem… para isso são fidalgos!

Como nada se resolvesse, o príncipe tremia, mais de raiva que de frio, quando vociferou:

– Chega! Todos fora! Fora daqui!

Empurrou-os para fora e, impaciente, batendo as palmas, chamou:

– Onde estás, Daniel!

– Estou aqui, meu senhor - respondeu o lacaio humildemente. O príncipe fechou a porta com estrondo, passando a chave na mesma.

– Rápido, veste-me, que congelo de frio - ordenou, esfregando os braços.

– Sim, senhor.

Daniel foi até ao grande armário, e procurando as roupas mais confortáveis, visto que o príncipe, por conta da neve, passaria o dia no castelo, tirou peles de zibelina para o seu senhor.

Começou a vesti-lo tímida mas eficientemente. Em dado momento, não se conteve e disse:

– O senhor não devia ter feito aquilo, meu senhor.

E o príncipe, enfadando-se:                                                                               

– Estás-me repreendendo? Pois fica sabendo, bem morria de frio antes que aqueles quatro decidissem alguma coisa!

 

 



publicado por Manuel Maria às 15:33 | link do post | comentar

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