Há muito, muito tempo, junto a uma nascente, no meio de um descampado, onde mais tarde se viria a erguer uma igreja e um mosteiro, vivia um velho ermitão, rendendo culto a Deus e expiando os seus pecados.
Este ermitão, possuía, como único pecúlio, além do habito em farrapos, uma escudela de barro, que trazia presa ao seu bordão, uma sachola, e a água da nascente, de que era cioso, porque regava um jardim, de suave erva verde, de onde brotavam lindas flores semelhantes a estrelas e uma pequena horta, que ele cultivava com particular desvelo.
Um dia, quando estava o ermitão mondando ervas na sua hortinha, levantou a cabeça e viu passar ao fundo, no caminho, um homem andrajoso e coberto de pó.
-Dá-me de beber -lhe disse o viajante- e repartirei contigo do pão do meu bornal.
O ermitão, em vez de dar-lhe água, pronunciou um grande discurso, acerca dos grandes trabalhos com que escavara na rocha até à mãe daquele fiozinho de água, que naquele descampado, entre fragas e terreno maninho, tornava viçosa a sua horta.
-Por isso já vez – concluiu, por fim - não posso desperdiçar com um desconhecido esta água tão preciosa…
E o viajante lembrou-se daquele dia em que, subindo com os amigos a colina - a terra exalava a aromas estando, como a horta do ermitão, ataviada com o seu melhor manto, como uma noiva em dia de boda - e chegando ao lugar mais elevado, no meio de um jardim de flores rodeado pelas rochas do lugar, falou assim:
- Descansai aqui e abri as janelas do vosso coração, porque tenho um segredo a revelar-vos.
E sentando-se no meio deles, lhes disse na sua voz doce e calma:
- Bem-aventurados os que não se apegam aos seus tesouros, porque só eles serão verdadeiramente livres; Bem-aventurados os que têm sede de verdade porque a sua sede os levará à fonte da vida; Bem-aventurados os que têm fome da beleza, porque a sua fome os levará ao pão!
Decididamente - pensou- aquele ermitão ainda não tinha encontrado o Reino dos Céus, na profundidade do seu espírito.
-Quem bebe do meu sangue – retorquiu o viajante, descobrindo a chaga aberta do peito – jamais terá sede, porque eu sou a fonte de vida eterna.
E seguiu o seu caminho, desaparecendo por entre duas carrasqueiras, precisamente no lugar onde agora, em memória do acontecido, ergueram um cruzeiro.