Foi numa casa da Praça da República, Sabugal, que Manuel António Pina nasceu há setenta anos; e foi nessa mesma praça que deu os primeiros passos e disse as primeiras palavras, como ele muito bem sublinhou numa entrevista.
No começo, como qualquer um de nós, ouviu as palavras dos outros, dos pais, da família, dos vizinhos, que primeiro lhe traduziram a realidade do mundo, interpelando-o à descoberta da linguagem e à plenitude do referencial da existência.
Como ensinava Heidegger, o que fala não inventa ex-nihilo a sua linguagem sem apropriar o que lhe é pré-existente e herda.
Isto, porque a língua materna é o sujeito antes de si, de que todos se apropriam, aprendendo a falar para poderem vir a si e existirem por si mesmo.
O lugar concreto em que se transmitiu esta herança do dom da palavra a Manuel Pina foi a Praça da República, no Sabugal.
Aqui, respondendo ao apelo da linguagem materna, Manuel Pina abriu a palavra dada em graça e aprendeu a falar, a nomear o logos, descobrindo-se como sujeito, construindo a sua identidade, a sua própria linguagem, o seu não-lugar.
Por isso é que a língua materna é importante. É como uma segunda pele que nos acompanha para toda a vida para onde quer formos, desde o nascimento à morte, e ao mesmo tempo é aquilo que se desloca de nós, fazendo-nos saír ao encontro do mundo.
Derrida dizia que a língua não é una; e falar é escrever um manuscrito a duas mãos (duas palavras) que no mesmo gesto pedem e dão; uma que dá e outra que recebe a graça de se reinventar e de se alienar do lugar em busca da utopia, de um não-lugar.
É a nossa casa de onde nunca saímos, onde pertencemos, onde já não moramos, mas onde sempre regressamos, porque foi nela que aprendemos a nossa relação com o mundo e com os outros.
É o nosso ponto de partida e uma espécie de cais de saudade onde estamos sempre a regressar.
E foi na Praça da República que foi dada a palavra ao Manuel António Pina. Foi ali que começou a palavra do poeta. Primeiro, pela simples repetição, depois, pela apropriação do significante e do significado. E com ela Manuel António Pina disse, nomeou, deu, traduziu a realidade do mundo para quem o quisesse ouvir, construiu a sua singularidade e a sua fantasia espectral.
Mas como todos ficamos reféns da palavra herdada para toda a vida, Manuel Pina, como homem agradecido pelo dom da palavra, regressava nostalgicamente ao Sabugal em busca da língua mãe, imóvel na sua mobilidade, móvel na sua imobilidade.
Desde a infância refém daquela palavra herdada, da linguagem materna, toda a sua escrita foi necessariamente auto-bio-gráfica. Porque a sua linguagem foi um dom herdado, jamais a poesia que escreveu foi dele, mas da língua mãe.
E se a palavra se recebe e a linguagem se herda, a poesia, tal como as pessoas, também tem um lugar de nascimento.
Por isso é que a obra poética de Manuel Pina começou na Praça da República, no Sabugal!