Terça-feira, 29 de Janeiro de 2013

 

                Era uma vez um velho homem que vivia, com a sua velha mulher e o jovem filho, num arruinado solar de antigo morgadio, adossado a um pequeno estábulo, com uma pequena quinta de logradouro e um pequeno ribeiro por vizinho.  

               Levavam vida simples de trabalho, e o filho, apesar de novo, não havia rapaz mais trabalhador!... horas antes de amanhecer, já ele saia com o gado, e nas noites em que lhes cabia a dua, agarrava na sachola e, com as calças arregaçadas ajudava os pais a abrir os tornadoiros de onde jorrava a água negra do açude, que a terra, sedenta, e requeimada, engolia com satisfação.

               E todo o dia, corria como louco à horta e à veiga, cortando as hortaliças, trazendo braçados de erva, que os velhos pais iam colocando nas manjedouras das vacas leiteiras ou no pio do porco.

               Tudo o que necessitavam para viver tiravam daquela terra, que não tinha um único bocado inculto, e apesar da pequena, do caminho não se lhe via os limites, tal era o emaranhado de árvores e plantas, nespreiras, macieiras, cerejeiras, pereiras, abrunheiros; tudo coisas úteis para consumo de casa e para fazer algum dinheiro na vila.

 

               Assim foram vivendo a sua ocupada existência, labutando o pão de cada dia, até que, um belo dia, secando a nascente do poço de casa, e tendo que limpar a sua mãe d’agua, deram com um saco de moedas, escondidas num buraco da mina.

 

               Correndo alvoraçados para o arruinado solar, à mesa da cozinha, espalharam as moedas achadas e, contando-as e recontando-as, viram que eram setenta peças de oiro antigas, que bem vendidas a peso no ourives da vila, dariam, alvitrou o velho, uns bons contos de reis.

 

               O velho, a velha e o filho, que viviam em aperto com o magro sustento que tiravam da quintinha, começaram a fazer planos ao destino a dar àquela inesperada fortuna.

 

               O velho sugeriu que comprassem um pequeno tractor e algumas alfaias para rentabilizarem a quinta e suavizarem o trabalho braçal, sendo o resto amealhado para dias de aperto.

 

               A velha lembrou então a viga mestra do telhado partida, as paredes descaiadas do velho solar, o soalho gasto e carcomido dos grandes salões, as portadas a caír, em que o dinheiro seria mais bem empregue.

 

               O filho, que já se enfadava da vida escrava na quinta, e andava de derriço com a filha do regedor desde o bailarico da festa, queria que comprar uma pequena casa na vila.

 

               Teimando cada um com a sua, zangaram-se e deixaram de se falar.

 

               Chamaram então o compadre, com negócio de carros na vila e homem vivido, que chegou no seu novo automóvel, pelo caminho enlameado de quinta, e puseram-lhe o problema.

 

               Este, ouvindo atentamente as razões de cada um, aconselhou que asfaltassem o caminho da quinta e lhe comprassem um carro igual para o rapaz.

 

               E foi isto que eles fizeram.  

 

 



publicado por Manuel Maria às 12:12 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Sábado, 26 de Janeiro de 2013

 

 

Foto: Nostálgico...

 

Há cinquenta anos...



publicado por Manuel Maria às 16:58 | link do post | comentar

Sexta-feira, 25 de Janeiro de 2013

 

               Terra fria, sem arruamentos empedrados, com quase todas as daquela comarca distante do reino, a vila, parecia, naquele inverno rigoroso, uma grande pocilga onde chafurdavam homens e animais.

               Tudo ali se apresentava negrusco, sujo e enlameado; os casinhotos dispostos ao longo da abada da colina, construídos em granito enegrecido pelos anos, ressumando a humidade, formavam uma mancha sombria na paisagem.

               Naquele dia chuvoso, mal levantara o sincelo dos campos em redor, quando do alto da velha torre, que domina aquela paisagem austera, a sentinela avistou colunas de fumo erguendo-se na direcção da fronteira.

               Um almocreve que chegava daquelas paragens, confirmou o que logo se suspeitara: Uma hoste inimiga entrara na comarca e talava a região.

               Tocou-se a rebate, recolhendo os habitantes à segurança das muralhas, que o governador da praça reforçou e guarneceu de homens em armas.

               Já tudo estava aprestado para a defesa, quando a guarda avançada inimiga apontou no horizonte e, impedindo qualquer fuga ou reforços, contornou a praça, indo estacionar ao longo da ribeira, a qual, corre mansamente a Sul entre vidoeiros desfolhados pela invernia.

               O grosso da força, surgiu apenas ao fim do dia e, avançando a passo de fadiga, progrediu na lama das ruas, refocilada por quantos porcos se criavam no lugar e que constituíam o pecúlio e dispensa daquela gente.

               Derreada, chegou a força ao terreiro fronteiro ao castelo, que as chuvas e os porcos tornaram um chavascal de vários palmos de profundidade.

               Subitamente, à testa da mesma, o comandante deteve a montada e estendendo o olhar, procurou reconhecer os derredores.

               Era um grande lodaçal rodeado de uma dúzia de casebres a que o vulto do castelo, recortado à luz mortiça do dia, dava uma expressão lúgubre.

               Ficou ali especado a olhar o seu exército atolado na lama. Depois, para o seu cavalo enterrado nas patas até á barriga, sem se poder mexer.

               Demorou-se a contemplá-los, um, dois, três minutos; e vencido e cansado, praguejou:

               - Conho, que nos atascamos!

               E desembainhando a espada, para os homens:

               - A volver!

               Assim podia a companhia de teatro ter representado o assalto ao castelo de Alfaiates… Bastava vontade e imaginação.

               São uns “pixotes”; com medo da chuva!



publicado por Manuel Maria às 08:36 | link do post | comentar

Terça-feira, 22 de Janeiro de 2013

 

Destapando a panela:

    - Oh, não! – queixou-se o lobo – sopa outra vez? Quem me dera um borreguinho, que faria um belo ensopado!

Eis senão quando, TRUZ, TRUZ, TRUZ,! Bate à porta um borreguinho.

    -Posso entrar? -Claro, meu lindo, a casa é tua e vens mesmo a calhar - e emendando a mão – quer dizer… à hora de almoço – disse o lobo, contente.

E o borreguinho foi entrando, e com ele, três cabritinhos, que o lobo não tinha visto e vinham também pelo cheiro da sopa.

    -Mas que azar! – resmungou o lobo, que era de paladar apurado, mas burro- o que faço eu com um borrego e três cabritos?

Então o lobo sentou-os à lareira e lembrou-se de procurar no seu livro uma receita de borrego com cabrito. Não encontrou nenhuma, porque só havia receitas de ensopado de borrego; não de borrego e cabrito.

    -Que azar o meu! – queixou-se o lobo – como é que vou cozinhar um borrego e três cabritos?

Sentou-se na sua cadeira de balouço ao pé da lareira e enquanto ajeitava o lume à panela, pensava:

    - Que faço eu à minha vida?! Meter borrego e cabritos na mesma panela não é ensopado… Depois é misturar os sabores, não aproveitando nenhum. Muito decidido, dum repelão, pegou-lhes pelo braço e pô-las na rua.

    - Rua!!! -Mas nós temos fome…

E com um grande estrondo, fechando a porta:

BANG!!!

Gritou-lhes:

    -Na próxima, como-vos mesmo!

 Mas o cuco do alto de uma ramada próxima, vendo os cabritos, borrego e lobo em redor da panela, confidenciou ao galo, seu amigo, que o borrego e os cabritos tinham almoçado na casa do lobo.

 E o galo que não gostava do cão, espalhou pela floresta que o borrego e os cabritos almoçaram em casa do lobo, para combinarem matar o cão!



publicado por Manuel Maria às 15:26 | link do post | comentar

Segunda-feira, 21 de Janeiro de 2013

 

 

Há muito, muito tempo, junto a uma nascente, no meio de um descampado, onde mais tarde se viria a erguer uma igreja e um mosteiro, vivia um velho ermitão, rendendo culto a Deus e expiando os seus pecados.

Este ermitão, possuía, como único pecúlio, além do habito em farrapos, uma escudela de barro, que trazia presa ao seu bordão, uma sachola, e a água da nascente, de que era cioso, porque regava um jardim, de suave erva verde, de onde brotavam lindas flores semelhantes a estrelas e uma pequena horta, que ele cultivava com particular desvelo.

Um dia, quando estava o ermitão mondando ervas na sua hortinha, levantou a cabeça e viu passar ao fundo, no caminho, um homem andrajoso e coberto de pó.

-Dá-me de beber -lhe disse o viajante- e repartirei contigo do pão do meu bornal.

O ermitão, em vez de dar-lhe água, pronunciou um grande discurso, acerca dos grandes trabalhos com que escavara na rocha até à mãe daquele fiozinho de água, que naquele descampado, entre fragas e terreno maninho, tornava viçosa a sua horta.

-Por isso já vez – concluiu, por fim - não posso desperdiçar com um desconhecido esta água tão preciosa…

E o viajante lembrou-se daquele dia em que, subindo com os amigos a colina - a terra exalava a aromas estando, como a horta do ermitão, ataviada com o seu melhor manto, como uma noiva em dia de boda - e chegando ao lugar mais elevado, no meio de um jardim de flores rodeado pelas rochas do lugar, falou assim:

- Descansai aqui e abri as janelas do vosso coração, porque tenho um segredo a revelar-vos.

E sentando-se no meio deles, lhes disse na sua voz doce e calma: 

- Bem-aventurados os que não se apegam aos seus tesouros, porque só eles serão verdadeiramente livres; Bem-aventurados os que têm sede de verdade porque a sua sede os levará à fonte da vida; Bem-aventurados os que têm fome da beleza, porque a sua fome os levará ao pão!

            Decididamente - pensou- aquele ermitão ainda não tinha encontrado o Reino dos Céus, na profundidade do seu espírito.

            -Quem bebe do meu sangue – retorquiu o viajante, descobrindo a chaga aberta do peito – jamais terá sede, porque eu sou a fonte de vida eterna.

            E seguiu o seu caminho, desaparecendo por entre duas carrasqueiras, precisamente no lugar onde agora, em memória do acontecido, ergueram um cruzeiro.



publicado por Manuel Maria às 16:14 | link do post | comentar

mais sobre mim
Março 2014
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
13
14
15

16
17
18
19
20
21
22

23
24
25
26
27
28
29

30
31


posts recentes

PELO NOSSO IRMÃO MARCOS, ...

Canção do Volfrâmio

Bom Natal a todos!

O Primeiro Lugar da Poesi...

dramátia Aldeia ao abanon...

RAMOS ROSA E O SEGREDO O...

Recuperação do Património...

As viagens Iniciàticas de...

Os Talassas

Saudade Estranha

Tradição e Pragmatismo

Romance da Branca Lua

Cavaco e o canto da Maria

Crónica do Bairro Alto – ...

Uma História do Arco Da V...

Chá de Erva da Jamaica

Cada cabeça sua sentença!

Tribunal Constitucional ...

Até um dia, companheiro!

Meu último quadro

Paul, o dragão

A Terra Dos Cegos

A venda de uma vaca

Os Insensatos

Nostálgia...

O "Assalto" ao Castelo d...

A Conjura dos Animais

Lenda do Cruzeiro de Saca...

Boas festas!

tatoo

arquivos

Março 2014

Fevereiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Dezembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Junho 2011

Maio 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

links
blogs SAPO
subscrever feeds