Sexta-feira, 23 de Novembro de 2012

 

 

               

               Havia numa terra um Gigante que adorava pessoas.

               Não exactamente como é comum gostar-se de pessoas.

               O Gigante adorava comer pessoas.

               Tudo começou num dia, há muito tempo, por acaso, quando ele estava deitado à beira de um caminho onde passava um lavrador.

               Sem saber o que estava a fazer, tentou comer-lhe um pé, só para se divertir do pobre homem.

               Depois, apreciando o sabor, tentou comer uma mão, e logo a seguir um braço, e quando deu conta já tinha comido uma pessoa inteira.

               Tomando-lhe o gosto, passou a frequentar os lugares habitados, para comer pessoas.

               E ao fim de uns dias já engolia um adulto inteiro de uma só vez, à velocidade de um raio.

               Mas esta é a parte melhor: Quanto mais gente comia, mais apetite tinha.

               E em vez de comer uma pessoa inteira de cada vez, já devorava às dezenas e centenas ao mesmo tempo, porque não era esquisito e o seu apetite era cada vez mais insaciável.

               E foi aí que as coisas começaram a dar para o torto:

               As pessoas começaram a escassear, porque o gigante andava a comer pessoas a mais e muito depressa.

               E aqui vem a parte pior: O Gigante tinha cada vez menos gente para comer.

               Foi ter com ele uma deputação de pessoas corajosas e disseram-lhe que não podia comer mais gente, porque assim desertificava-se a terra.

               O Gigante deixou-se ficar sentado a pensar durante um tempo na verdade daquele raciocínio. Mas o seu apetite era insaciável e habituara-se à carne humana. O que é que ele podia fazer?

               Então, quase sem pensar, arrebanhou do chão a delegação e comeu-a.

               E viu que era saborosa!

               E continuou a matança…

               O Gigante chamava-se Fome.

               A terra… Esquecimento!



publicado por Manuel Maria às 20:59 | link do post | comentar

Segunda-feira, 19 de Novembro de 2012

 

 

             

 

            Vivemos na prática da omnisciência, em que todos sabem tudo acerca de tudo.

            Por isso é tão difícil ir contra o geralmente aceite, ou contra a moda, de que o povo alemão é um povo egoísta e ingrato para com Portugal e os restantes povos do Sul da Europa, como vem sendo passado nas várias plataformas de comunicação e redes sociais.

            As contribuições da Alemanha para o património cultural da humanidade são evidentes, numerosas e conhecidas, a ponto de ser conhecida pela terra dos poetas e pensadores (das Land der Dichter und Denker), e não é a actual situação da Europa que apaga esta verdade!

A Alemanha foi o berço de vultos importantíssimos na história da música no passado ( Sebastian BachChristian BachCarl WeberFelix Mendelssohn BeethovenWagnerHändelBrahmsOrff, Strauss, SchumannOffenbach, ou que foram de cultura e língua alemã como MozartHaydnAlban BergBrucknerMahlerFranz LisztSchönbergDietrich BuxtehudeSchubert, etc.) e continua no presente a ter uma enorme cultura musical (destaque para os Tokio HotelScorpions, Alphaville, Böhse OnkelzBoney M., RammsteinDie ÄrzteDie Toten HosenLacrimosaAcceptKreator,DestructionGrave DiggerSodomGamma RayAvantasiaHelloween,, EdguyMegaherzTankard, DesasterInquisitorProtectorCinema Bizarre. etc ); nas artes, de movimentos e nomes bem conhecidos (no RenascimentoAlbrecht Dürer foi um dos nomes maiores. Max Ernst, no surrealismoFranz Marc, na arte conceptualJoseph BeuysWolf VostellBazon Brock, no neo-expressionismo Georg Baselitz ); no pensamento, dos mais importantes filósofos modernos (Copérnico, Kant, Hegel, Marx, Nietzshe, Schopenhauer, Heidegger) que influenciam toda a filosofia actual, inclusive a francesa, tida como a “Terra das Luzes”, mas que não teve um único filósofo moderno original; na religião, de Lutero, o pai da reforma protestante; na teologia uma escola sempre avançada no tempo (com nomes como Friedrich Schleirmacher, davisd staruss, Albert Ritschl, Ennst Troeltsch, Adolf von Harnack, Herman Samuel Reimarus, Gerhard Maier, Ernst troeltsch, Hans Kung, Erich Fromm, Ratzinger) e da qual nasceu o recente e importante manifesto reformista Igreja 2011, uma viragem necessária, subscrita por mais de duzentos catedráticos de teologia alemães, austríacos e suiços; na  literatura, alguns dos mais importantes poetas, romancistas e dramaturgos mundiais (GoetheSchiller , Novalis, Holderlin, Thomas MannHeinrich MannKlaus MannHermann HesseGünter Grass,  Gerhart HauptmannGeorg BüchnerFrank Wedekind e mais recentemente Ernst TollerPeter Weiss e Bertolt Brecht , etc); na ciência e tecnologia há também conhecidos alemães (na ciência, Albert Einstein e Max Planck,Werner Heisenberg , Max BornHermann von HelmholtzJoseph von FraunhoferDaniel Gabriel FahrenheitWilhelm Conrad Röntgen, na técnica Wernher von Braun, Heinrich Rudolf Hertz , Alexander von Humboldt ; na matemática Carl Friedrich GaussDavid HilbertBernhard RiemannGottfried Leibniz,Carl Gustav Jakob JacobiHermann  GrassmannKarl WeierstrassRichard DedekindFelix Klein e Hermann Weyl; na invenção Johannes GutenbergHans Geiger,Konrad Zuse; engenheiros e industriais como  Ferdinand von ZeppelinOtto LilienthalGottlieb DaimlerRudolf DieselHugo JunkersHans von OhainNikolaus OttoRobert BoschWilhelm Maybach e Karl Benz); sendo que as principais pesquisas na Europa do século passado tiveram origem na Alemanha, laureada com cerca 1/3 dos prémios Nobel (química e física) entre 1901 e 1933, e cujos cérebros, com a diáspora da segunda guerra, estiverem na origem do desenvolvimento científico dos EUA.

            E se tal não bastasse, na Alemanha existem cerca de 300 teatros, alguns de nome mundial, como os Deutsches Theater, Schillertheater e Opernplatz em Berlim, Teatro Nacional, em Munique, Theater im Hafen, em Hamburgo, 130 orquestras profissionais, como a Orquestra Sinfónica Alemã,em Berlim, Orquestra Sinfónica de Hamburgo, e pelo menos onze orquestras estatais, 630 museus de arte com acervos de importância internacional, como o Ludowig, de Colónia, ou de Arte Contemporânea ou de História da Alemanha, em Berlim, cerca de 370 estabelecimentos de ensino superior de renome internacional, como a secular Universidade de Heidelberg, a Universidade Humboldt de Berlim, Técnica de Dresden, Colônia,  Bremen, Tübingen. Técnica de Munique, Ludwig Maximilian de Munique, Livre de Berlim, Escola Superior Técnica (RWTH) de Aachen e de Konstanz.

O “antigermanismo”, é uma questão de preconceito e deve-se à ignorância da importante e brilhante cultura Alemã, sobretudo literária e filosófica, no concerto dos países civilizados e cultos, que é muito superior à cultura francesa; uma cultura brilhante, assente nas suas universidades e construída pelos seus mais notáveis filósofos e poetas da Europa, que foram beber, como Goethe, Hoderlin, Schopenhauer e Heidegger, aos Gregos e à Revelação Bíblica, das águas da melhor inspiração intelectual e espiritual.

            É este intimo diálogo entre a poesia e a filosofia, em que muitos poetas, como  Holderlin, também foram filósofos, e muitos filósofos, como Heidegger, que também foram poetas, faz a particularidade do “Génio Alemão”. Um diálogo que até é semelhante ao da “tradição portuguesa” - cujo expoente máximo foi o Infante D. Henrique, Camões, Vieira, no passado; e mais recentemente Sampaio Bruno, Pessoa, Pascoais, Leonardo Coimbra – porque os Alemães, como alguém disse, também de algum modo procuraram essa «Índia Nova de que são feitos os sonhos», no dizer admirável de Pessoa, Índia que não está no mapa, e que os mitólogos situam eruditamente na perdida Atlântida, de que nós, nas Ilhas e na Península, somos ainda o remanescente.
            Heidegger, um dos últimos filósofos Alemães de alta qualidade, fazendo sua toda a compreensão da idealidade romântica e grega, interpreta Holderling, um poeta que enlouqueceu por querer encontrar o Céu. No livro que lhe dedicou, agudo e penetrante é o estudo que Heidegger faz do poeta, esse poeta louco de Dionisio, como e foi também o nosso Pascoais, que também num acesso de divina loucura, quando exerceu a magistratura, mandou libertar todos os presos da comarca, por acreditar na bondade e inocência intrínseca de todos os homens. Tal como Nietzsche, Pascoal e Holderling enlouqueceram pelo deus que, na mítica grega, corresponde a Cristo, porque é o Deus sacrificado.

Esta correlação e reciprocidade entre Dionisio e Cristo é fundamental e importantíssima para a nova cultura e influenciou a cultura da Europa Ocidental, inclusive Portugal.

Quem não leu entre nós a obra de Pascoais, nomeadamente os seus livros S. Paulo e Jesus e Pã, ou Sampaio Bruno e o seu Brasil Mental e A Ideia de Deus, para perceber que esta procura da consciência interior tão presente na poesia e pensamento alemão, esta dualidade entre a matéria e o espírito, esta correlação entre Dionísio e Cristo, influenciou a cultura europeia?

Foi precisamente a imitação deste diálogo entre a poesia e a filosofia, de influência alemã, conscientemente feito pelos nossos Sampaio Bruno e Teixeira de Pascoais, e de que Leonardo Coimbra faria a síntese, que deram origem ao  “Existencialismo Português”, e permitiram um florescimento da cultura portuguesa no início do século XX em torno do movimento da Renascença e da revista Àguia, que influenciaria muitos dos movimentos culturais e artístico do nosso país do século XX, inclusive, por remota filiação o pensamento, entre outros, dos nossos Álvaro Ribeiro, Júlio Marinho, Eduardo Lourenço e Pinharanda Gomes.

            Resumindo e concluindo:

            O povo Alemão, é como todos os povos e indivíduos: Tem fases boas e menos boas de existência.

Cada povo é a sua própria circunstância em determinado momento histórico. Neste aspecto, o povo alemão, é como qualquer outro; nem melhor, nem pior.

            E não é ele seguramente que tem culpa de não sabermos ser donos do nosso próprio destino.

            Ninguém tem culpa, a não ser nós, que tenhamos perdido a capacidade de sonhar e pensar!

            Paremos de arranjar “bodes expiatórios” para a nossa desgraça!



publicado por Manuel Maria às 12:50 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Sexta-feira, 16 de Novembro de 2012

 

 

  

Con diez cañones por banda,
viento en popa, a toda vela,
no corta el mar, sino vuela
un velero bergantín.

Bajel pirata que llaman,
por su bravura, el Temido,
en todo el mar conocido
del uno al otro confín.

La Luna en el mar ríela,
en la lona gime el viento,
y alza en blando movimiento
olas de plata y azul;
y va el capitán pirata,
cantando alegre en la popa,
Asia a un lado, al otro Europa,
y allá a su frente Estambul.

Navega, velero mío,
sin temor,
que ni enemigo navío
ni tormenta, ni bonanza
tu rumbo a torcer alcanza,
ni a sujetar tu valor.

Veinte presas
hemos hecho
a despecho
del inglés,
y han rendido
sus pendones
cien naciones
a mis pies.

Que es mi barco mi tesoro,
que es mi dios la libertad,
mi ley, la fuerza y el viento,
mi única patria, la mar.

Allá muevan feroz guerra
ciegos reyes
por un palmo más de tierra;
que yo aquí tengo por mío
cuanto abarca el mar bravío,
a quien nadie impuso leyes.

Y no hay playa,
sea cualquiera,
ni bandera
de esplendor,
que no sienta
mi derecho
y dé pecho
a mi valor.

Que es mi barco mi tesoro,
que es mi dios la libertad,
mi ley, la fuerza y el viento,
mi única patria, la mar.

A la voz de «¡barco viene!»
es de ver
cómo vira y se previene
a todo trapo a escapar;
que yo soy el rey del mar,
y mi furia es de temer.

En las presas
yo divido
lo cogido
por igual;
sólo quiero
por riqueza
la belleza
sin rival.

Que es mi barco mi tesoro,
que es mi dios la libertad,
mi ley, la fuerza y el viento,
mi única patria, la mar.

¡Sentenciado estoy a muerte!
Yo me río;
no me abandone la suerte,
y al mismo que me condena,
colgaré de alguna entena,
quizá en su propio navío.

Y si caigo,
¿qué es la vida?
Por perdida
ya la di,
cuando el yugo
del esclavo,
como un bravo,
sacudí.

Que es mi barco mi tesoro,
que es mi dios la libertad,
mi ley, la fuerza y el viento,
mi única patria, la mar.

Son mi música mejor
aquilones,
el estrépito y temblor
de los cables sacudidos,
del negro mar los bramidos
y el rugir de mis cañones.

Y del trueno
al son violento,
y del viento
al rebramar,
yo me duermo
sosegado,
arrullado
por el mar.

Que es mi barco mi tesoro,
que es mi dios la libertad,
mi ley, la fuerza y el viento,
mi única patria, la mar.

José de Espronceda (1808-1842)



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