Terça-feira, 20 de Março de 2012

 

 

 

(A Délio)

 

Lembra-te de conservar uma mente tranquila

na adversidade, e na boa fortuna

abstém-te de una alegria ostentosa,

Délio, pois tens que morrer,

e  ainda que hajas vivido triste em todo momento

ou ainda que, deitado em retirada erva,

nos dias de festa, hajas disfrutado

das melhores riquezas de Falerno.

Para quê ao enorme pinho e ao prateado ao álamo

Lhes agrada unir a hospitalária sombra

de suas ramas? Para quê a linfa fugitiva

se esforça em deslizar-se por sinuoso arroio?

Manda trazer aqui vinhos, perfumes e rosas

—essas flores tão efémeras—, enquanto

teus bens e tua idade e os negros halos

das três irmãs to permitam.

Te irás do souto que compraste, e da casa,

e da quinta que banha o vermelho Tiber;

te irás, e um herdeiro possuirá

as riquezas que amontoaste.

Quer sejas rico e descendente do venerável

Ínaco nada importa, ou quer vivas

à intempérie, pobre e de ínfima linhagem:

serás vítima de Orco imisericordioso.

Todos terminaremos no mesmo lugar.

A urna dá voltas para todos.

Mais tarde ou mais cedo há-de saír

a sorte que nos embarcará

rumo ao eterno exilio.

 

Horácio



publicado por Manuel Maria às 14:57 | link do post | comentar

 

 

     A Dona Antonia escreve versos, aquilo parece a sirene dos bombeiros a correr para o fogo. Que aqueles babosos versos lhe adocem os beiços. Ela ha-de dar aquelas lamechices a uma casa de caridade. São fracos versos que a consolam naquele abandono de homem e filhos. A Dona Antonia gosta de costurar, é uma artista no ponto cruz, uma devota do ponto cruz e do Dr Sousa Martins padroeiro das diarreias e das cólicas. A Dona Antonia e os seus versos amarelos como a bilis. Ela entretem os seus bichos de estimação entre eles as pombas que poisam no peitoral a mendigar umas migalhas literárias. Dona Antonia e os seus versos fofos e quentinhos que cheiram a mofo e a naftalina.


     Lobo Duarte

 



publicado por Manuel Maria às 14:37 | link do post | comentar

Sexta-feira, 16 de Março de 2012

 

 

 (Ao meu tio-avô João Nobre, o protagonista da história)

  

 

 

Ainda se ouve ao longe o trovão,

que fustigou a noite incessantemente;

o Sol, alegre e luminoso

na manhã, bela e amena,

o rosto vai descobrindo;

os pássaros, de ramo em ramo,

com a sua doce melodia,

o dia vão acordando;

já a suave e calma manhã,

abre as portas ao sol,

quando sai o pastor amoroso,

a ver o rio entrado nas margens,                

o fresco solo verdejando,

da chuva copiosa do céu;

e atravessando o verde prado,

que as acrescentadas águas do Côa

serenamente descem,

alegre vai o pastor

noivar à sua aldeia

com Maria sua amada,

deixando o rebanho no bardo.

Não vai como costume a pé,

nem leva as tamancas

cravejadas de brochos,

nem a samarra grossa

de peles de lobo morto,

tintas em sangue de vaca;

mas sapatos de carneira,

meia branca lagarteada,

calça subida a meia canela,

botões de latão polido

no colete de risca,

que lhe fez Maria.

Vai cavaleiro brioso

na sua égua baia,

a sela leva de frisa,

e de banda, tapando a franja,

chapéu novo de festa,

capa de roda larga,

debruada a verde-escuro,

e guardada junto ao peito

de Maria a trança negra.

Chega o pastor à vila

pelo caminho dos vales

e a Maria espera-o ao portão;

traz cingida na cintura fina,

blusa de verde escarlate,

saia e saiote de pano;

a fita de cetim preto,

que o pastor amoroso lhe deu,

enfeita a corda dos cabelos.

Ao Largo das nogueiras,

pressentindo a morte

às primeiras casas,

assusta-se a égua baia,

derrubando o pastor amoroso,

que desacordado, levam

Para casa da sua Maria.

E jazendo enfermo assim,

ao vê-lo definhar, a infeliz,

lava-lhe o sangue do cabelo,

aplica-lhe panos de água morna,

anda em bicos de pés

para não perturbar o silêncio,

chora pelos cantos da casa,

limpando as lágrimas furtivas

ao panal de estopa grossa,

promete uma novena,

cem voltas à capelinha,

acende a luz do oratório,

reza ao Senhor dos Aflitos:

-Doce Jesus da minha vida,

esperai, não mo leveis ainda;

que não é bom que queirais

uma alma tão nova perdida.

E acrescentando azeite,

espevitando o pavio:

-Eu, meu Jesus, Vos rogo,

e volto a suplicar-Vos,

leva antes a minha vida;

que se Vós ma destes,

de boa mente ta devolvo,

porque a troco por amor.

E regressando à cabeceira,

aperta-lhe a mão gelada,

acaricia-lhe a testa em fogo,

que cobre de mil beijos.

-Não morras! – Lhe pede, chorosa.

-Ai, ai, Maria, Maria,

Que vejo a morte,

em seu véu branco,

rondando a cama!

-Lhe responde o pastor,

Sentindo o frio

subindo a espinha.

-Não digas tolices!...

Ainda haveremos de casar…

Ter um rancho de filhos!

– Recrimina-o ela, doce,

com um beijo nos lábios.

-Ai, ai, Maria, Maria,

-Lhe diz o pastor, alucinando-

A sua boca gelada

já beijou a minha!...

 

Canção, cala-te agora; não digas mais;

que os versos que escreverias,

falariam dos olhos tristes de Maria,

mais tristes que mortalha fria!

 



publicado por Manuel Maria às 16:57 | link do post | comentar

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