
(discussão política)
A política é, como a vida, caros leitores, vontade; e a política vontade de poder. Tudo nela depende como o poder estabelecido é orientado e da vontade de poder, de participação poítica, dos cidadãos.
Como dizia Nietzshe in La volunté de pouissance, Paris, Gallimard, Bianquis, II, § 41, a vida «é para nós a forma mais bem conhecida do ser» isto é, «o ser, não temos dele outra representação além de o facto de vivermos (ibid. §8) e «O Ser é a generalizaçao do conceito de viver (respirar), ser animado, querer, agir, devir» (ibid., I, § 151).
A vida é pois, vontade de poder, de viver, segundo a proclamação de Zaratrustra «onde quer que encontrei o vivente, encontrei vontade de poder». Lógico é que, se Ser é Vida, e se Vida é Vontade de Poder, então a vontade de poder é a essência mais íntima do ser (Nietzche in Para além do Bem e Do Mal § 36). Resumindo: Toda a realidade humana é no fundo, vontade de poder.
Vontade de Ser é Vontade de Poder!
Se o Ser é «essencialmente o esforço em direcção a mais poder» (§II, 41), a vida real resume-se a uma luta permanente pelo domínio, pelo poder; e a sociedade não é mais que uma composição de relação complexas de forças intercruzadas, como também defendem Deleuze e Faucault. Que visam o poder e o seu aumento.
A consequência deste raciocínio é toda a realidade social e histórica ser analisada em termos de relação de forças. «As relações de poder são imanentes a todos os tipos de relações sociais» (Facault, Surveiller et punir, Paris, Gallimard, 1975, p.140). E assim sendo, até o direito não é mais que uma tentativa de eternização de um momentâneo equilíbrio de poder, por parte de uma classe dominante em determinado período histórico (ainda Facault in La volunté de savoir, Gallimard, 1976, pp.121 e seg).
Por aqui ja se percebe que a minha ideia do direito, é, à semelhança de P. Bourdieu, a da perpetuação das relações de forças socialmente existentes, num esquema, não de legitimo ou ilegitimo, mas de dominação e submissão.
Neste persepectiva, tanto vale a lei e o estado de direito, como a resistência à lei e ao estado de direito. É uma questão de domínio, e não, numa perspectiva aristotélica ou Kantiana e teleológica do mundo e do ser, de virtude, de justo e injusto, de bem e mal.
De facto, há em relação aos factos sociais naturais ou históricos, como defende Karl Popper (in A sociedade aberta e os seus inimigos, 2 vols, Londres, Routledge and Sons, 1945, trad. Parcial Bernard e Monod, Paris, Seuil, 1979), dualismo de factos e de valores; nunca um monismo trancendental ou dogmático.
Em consequência, sendo a nossa vontade ser livre nas suas escolhas, a ética não tem base científica porque as normas não são constatação de fenómenos, mas enumeração de regras de conduta, e porque não existe dimensão ética da reflexão e na escolha.
Porque assim é, «impossível se torna demonstrar cientificamente um juízo de valor ou imperativo moral» e as «normas humanas, e por isso conevencionais, são puramente arbitrárias» (Popper, ibiden, pp.186 e segs.).
Se assim não fosse, que legitimidade tinha a cidade de Atenas em condenar Sócrates à morte, por corrupção da juventude?
Tudo na vida social, pois, se resume a uma questão de conflito de forças; as forças activas, de movimento ascendente, representando o próprio movimento da vida (vontade de poder) e as as forças puramente reactivas e defensivas (poder estabelecido), exprimindo uma vontade de poder doente, decadente, petrificando a vida para apenas salvaguardar o poder adquirido (in Deleuze, in Nietzche e la philosofie, Paris, PUF, 1962, pp 186 e segs.). As primeiras correspondem a fenómenos de resistência; as segundas, a de perpetuação de poder.
A resistência não é, por isso, mais que a outra face ontológicamente inevitável do poder estabelecido que, sendo dominante, se opõe sempre à vontade de poder ascendente, e como tal, ao próprio movimento natural do Ser na conquista do poder.
«A vida torna-se resistência ao poder quando o poder adopta como objecto a vida» (Deluze op. cit. P. 98); e onde existe resistência ao poder estabelecido, «é a vida que se vira contra o poder que pretende controlá-la» (ibiden).
Resumindo; tal como respirar é ser, resistir é viver. Direito à vida, é o mesmo que direito a resistir!
E em que consiste resistir?
Resistir é discutir, criticar, questionar, argumentar e decidir a respeito do poder.
O que me permite formular o enunciado de que “todos os membros de uma comunidade política devem ser reconhecidos como agentes validadores da decisão política, dado que são, em todas as suas acções e expressões, interlocutores virtuais do poder, e que a legitimação deste não pode renunciar a nenhum interlocutor nem a nenhuma das suas contribuições virtuais para a discussão política”.
Isto é, numa transposição da ética da discussão de Karl Apel e Jurgen Habermas e da lógica da discussão prática de Alexey para a política, da mesma forma que «todo o sujeito capaz de falar e de agir deve poder tomar parte em discussões» (R. Alexey in Eine Theorie dês praktischen Diskursses, W. Oelmuller (ed), Paderbon, 1978), todo o cidadão pode intervir publicamente para discutir e questionar poder.
É isto que define a democracia participativa, uma espécie de “socialismo pragmático”, assente na liberdade de discussão e participação, na validade da argumentação independente da pessoa ou entidade que a emite, e legitimidade para discutir e questionar todas as decisões do poder, incluindo as manifestações do próprio poder.
Se numa discussão o regulador da validade dos enunciados é a verdade; uma verdade que não é a correspondência entre a afirmação e os factos, mas aceitabilidade racional, consenso geral, a Universalidade; no domínio do poder, é a exigência de consenso geral na busca do justo, que representa um papel análogo de validação.
A intervenção política, como a discussão, que é animada pela escolha da norma mais justa, deve ser animada também pelo ideal de justiça, a conquista de um poder mais justo, uma sociedade cujo objectivo final é o bem, como refere Platão no “político”.
E que é o Justo?
Para mim, é o tal Universal, consenso geral, que estabelece o que é o bem comum de uma concreta comunidade política. É, no fundo, o resultado mais razoável, no termo de uma discussão crítica, sucessivamente renovada e dinâmica, que nos permita a melhor adequação das normas; e no âmbito da política, o consenso universal de bem comum de uma comunidade, que resulta da discussão, pelos seus elementos, do poder político.
Discutir o poder é, por isso, a mais nobre actividade de cidadania, porque do resultado dessa discussão é que uma sociedade avança, encontrando as soluções consensuais que permitem afirmar que as decisões políticas correspondem ao bem comum.
Uma sociedade em que o poder instalado tem força para calar sistematicamente a voz dos que resistem ao poder e discutem esse poder, não permite a argumentação de novas ideias, novos consensos, que são a razão do progresso social e garantia de legitimidade das decisões políticas.
É que onde não se manifesta vontade de poder, não se gera discussão política…
Onde não há discussão política, não se produzem consensos universais…
E quando não há consensos universais, as decisões políticas carecem de legitimidade!