-- Pife, pufe, pafe, pefe
Pafe, pefe, pife, pufe --
A cacholeta no chefe --
-- Pife, pufe, pafe, pefe
Estoure como um tabefe
E o ventre de raiva entufe --
-- Pife, pufe, pafe, pefe
Pafe, pefe, pife, pufe!
Carlos de Souza
foto recebida por mail, e que, segundo o mesmo, é de 1986
A JOSÉ PINTO DE SOUSA
PERSONAGENS
JOANA - psicóloga
MARIDO
CAMPOS - político
MANUELA- política
A cena passa-se em Lisboa
Atualidade.
Acto Único
Sala, secretária, relógio de mesa, etc., etc.
JOANA, MARIDO (Vestidos para cerimónia e prontos para sair.) UMA PACIENTE (Que logo sai, à porta do fundo.)
JOANA - Sim, senhora; sim, senhora! Avie essa receita. Marcamos nova sessão para daqui a oito, pela mesma hora.
PACIENTE – E estes comprimidos são para tomar como de costume? (exibe o papel da receita.)
JOANA – Reduz a dose… meio cumprimido ao deitar e chega!
PACIENTE- Concerteza senhora doutora ( sai.)
MARIDO (Entrando por uma porta interior e sentando-se.) – Sempre entras nas listas desta vez?
JOANA- Duvido…
MARIDO - Porquê?
JOANA – O Louçã ainda está de trombas por causa da campanha!
MARIDO – Para que te meteste nessa treta?
JOANA (Ainda passeando.) - E quem imaginava que o Soares estava acabado?
MARIDO – Bem te avisei…
JOANA – Se não for no Bloco, vou noutro… Verás!
MARIDO - Fia-te na Virgem e não corras.
JOANA - Estamos atrasados para sair…
MARIDO (Consultando o relógio de mesa.) - Há duas horas e dois minutos.
JOANA (Embonecando-se ao espelho.) - Creio que não chegamos a tempo.
MARIDO - E o táxi na porta há tanto tempo? Vamos?
MARIDO - Vamos. (Vão saindo. Batem palmas.)
AMBOS - Bateram.
MARIDO - Quem é?
CAMPOS (Fora.) - Sou eu.
JOANA - Eu quem?
CAMPOS (No mesmo.) - Um amigo.
JOANA - Entre quem é.
MARIDO – (Espreitando à janela.) É o Campos das obras públicas! Conheces… (Entra Campos. Pisa macio e fala descansado.)
Cena II
CAMPOS (À porta do fundo.) - Dás licença, joaninha?
JOANA - Entra. (Vai outra vez por a mala na secretária.)
CAMPOS (Entrando e sentando-se numa poltrona que deve estar no meio da cena.) - Não te incomodes. Estou muito bem. E tu como tens passado desde a campanha do velho?
JOANA - Bem, obrigado. O que pretendes?
CAMPOS - Ah! Passava na rua… Vais no bloco?
MARIDO - Que bloco?
CAMPOS – O de esquerda, qual havia de ser?
JOANA – Não.
CAMPOS - Pois estás com azar!(Sinais de impaciência em joana e Marido.) O Louçã ainda não esqueçeu as presidenciais…(Recosta-se na poltrona.) Estou a ver…
JOANA (Interrompe-o.) – Ó Campos, temos muita pressa e não podemos perder tempo. Íamos sair quando chegaste...
CAMPOS (Erguendo-se.) - Nesse caso… Fica para outro dia... Eu vim só trazer um recado, mas... (Cumprimenta.) Joana... Caro amigo... (Vai saindo.)
JOANA - Vem cá; explica já agora o que pretendes.
CAMPOS (Voltando-se e preparando-se como para um discurso, sibilino.) – Somos amigos…
JOANA – Nem tanto….
CAMPOS – Há um lugar em aberto na lista por Coimbra… Que me dizes?
JOANA – Digo-te o quê?
CAMPOS – Estarias interessada?
JOANA - E tu a dar-lhe!
MARIDO - Deixa-o para lá. (Vai para junto de Joana.) Que maçador! Não chegaremos a tempo.
JOANA – E quem faz o convite?
MARIDO (Olhando o relógio.) – Estamos atrasados.
JOANA - Estamos com pressa...
CAMPOS – O nosso primeiro… É evidente…
JOANA – Não sei… Assim de repente… Bem vês!...
MARIDO (Olhando o relógio.) – Estamos atrasados.
CAMPOS– Se aceitares… Arranja-se mais um tacho de bónus…. Que dizes?
JOANA – Não sei…
MARIDO (Olhando o relógio.) – Que seca!
CAMPOS – Assim na tua área… Que achas?
JOANA - Passa bem.
CAMPOS – Mas, Joana…
MARIDO - Viva. (Volta-lhe as costas.)
CAMPOS – Olha que te arrependes… (Saída falsa.)
JOANA - Safa!
MARIDO – Vamos, Vamos quanto antes! Pode vir outro... (Vão saindo.)
CAMPOS (Voltando.) – Já agora…
JOANA - Outra vez?
MARIDO - Assustou-me até!
JOANA – (Agarrando a mala.)Que pretendes agora?
CAMPOS – E que dizias com um lugarzinho no governo também?
AMBOS: Irra!
CAMPOS — Tableau. (Desaparece.)
Cena III
Os mesmos e Manuela
JOANA - Vês, homem; vês como uma pessoa perde a cabeça?
MARIDO - Sim, sim, mas vamos, anda daí!
JOANA (Caindo na poltrona.) - E que dor de cabeça me fez este gajo!...
MARIDO - Espera... vou buscar a garrafinha de água-flórida. (Sai e volta com a garrafinha.)
JOANA - Depressa... depressa, homem! (O marido esfrega-lhe as frontes com água-flórida.) Bem... chega... aliviou... Aí! que ferroadas! deita a garrafinha em cima a mesa e vamos, vamos! (O marido deita a garrafinha sobre a mesa e vai dar o braço a Joana.)
MARIDO - Vamos! (Saem e voltam.) Esqueci-me das chaves. (Entra à direita baixa.)
JOANA (Falando para dentro.) Que demora, homem, que demora! Ainda há- de vir mais alguém, verás! (Passeia.) Então não achas essas chaves! Aí! minha cabeça! (Quebra-se alguma coisa dentro.) O que foi isso?! O que foi isso?! (Corre também para a direita baixa.)
MARIDO (Dentro.) - O meu frasco de água de colónia!
JOANA (Dentro.) - Que pena!
MARIDO (Dentro.) - Ah! cá estão as chaves! (Voltam à cena, de braço dado e dirigem-se para a porta.)
JOANA- Já estou cansada. (Procura na mala.) Não tenho lenço.
MARIDO - Oh que maçada! Quanto mais pressa, mais vagar. (Sai correndo pela direita baixa.)
JOANA – Vê na cómoda!
MARIDO (Voltando com um lenço na mão.) - Toma, toma... Gaita! (Dá-lho.)
JOANA - Vamos! (Encaminham-se para a saída. Batem à porta.)
AMBOS - Não!...
JOANA (Fora de si.) - Não estou em casa!
MANUELA (Espreitando.) – Dão licença?...
AMBOS – Outra?...
JOANA (Caindo extenuada na poltrona.) - Uf!
Cai o Pano.
Foto retirada do Panoramio
Olhos azuis
Aquosos como um rio,
Ora levando as hortas,
Ora secando no leito;
Difícil era saber onde acabava o homem
E começava a água...
Pois estes Olhos d’agua,
Vermelhos da lama e lodo
Do Poço da Andorinha,
Descendo o Pindelo,
Engrossando o Côa,
Mansos desaguaram
No mar.