Sexta-feira, 27 de Fevereiro de 2009

 

 

 

Quando subia para o tribunal cruzei-me com duas senhoras, que desciam o largo de braço dado. Trata-se de pessoas de avançada idade, que presumo irmãs, porque as vejo sempre juntas, anacronicamente vestidas à anos sessenta, com chapéu na cabeça e luvas de pelica calçadas.

            Depois, quando fui tirar fotocópias à papelaria, estavam as duas na fila do registo do euro milhões conferindo os boletins da semana anterior e registando novos boletins. «É um ritual semanal, disse-me a funcionária, no qual gastam mais de trinta euros.»

            Não pude deixar de sorrir; o optimismo de duas velhinhas que já pouco têm a esperar da vida, ainda sonhando com o euro milhões.

            Subi ao primeiro andar da sala de audiências e, imbuído daquele espírito positivo, mandei às malvas o meu estado deprimido pelas notícias da manhã sobre a crise, e abri assim as contra alegações ao pedido de condenação do Ministério Público:

- Com o devido respeito, meritíssima, as coisas não são tão feias como a senhora procuradora as pinta!

E discorri leve e animadamente durante uns minutos vincando a justiça da minha causa, atrevendo-me a pedir, no fim, a absolvição da arguida.

A juíza, sorriu, complacente. E tive a certeza de que, apesar das circunstâncias, foram umas belas alegações!

 

 



publicado por Manuel Maria às 16:04 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Quinta-feira, 12 de Fevereiro de 2009

 

 

 

Vinte anos de mina
 escavando pirite

Capacete na cabeça
galochas calçadas
mês a meio,
dinheiro em falta.

À saída do turno
pára no Álvaro

Pede cigarros,
bebe duas minis,
e compra fiados,
cem gramas de fome,
meio litro de miséria.

“António Grande”
vinte anos de mina,
conta pendurada
na venda do Inferno.

 



publicado por Manuel Maria às 20:09 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Segunda-feira, 9 de Fevereiro de 2009

 

 

               Começou por dizer que «gostava de malhar em toda esquerda»; a «proletária» e a «chique». Implicitamente também gostaria de malhar no Manuel Alegre, que alinha com a “esquerda chique”; depois veio “corrigir o tiro”, dizendo que ao pé deste era insignificante. O inusitado mea culpa de Santos Silva, cá para mim, tem uma explicação:

 

 

 Nos passos perdidos da Assembleia, Santos Silva é abruptamente interpelado por Alegre, que agarrando-o pelos colarinhos, lhe grita:

                -Retire já o que disse!

                Santos Silva, temeroso, balbuciou:

                - Camarada… Mas camarada…

                -Retire as palavras – e apertando-lhe o gasganete -  retire!

                Santos Silva, sufocando, esganiçou:

                -Por quem é, camarada – e afrouxando o garrote que o sufocava - não queria ofender

                -Você malha em quem? – e sacudindo-o - malha em quem? Diga lá agora?!

                -Eu explico…

                -As explicações são estas; convoca a imprensa e diz: «declaro que ao pé do Alegre, não sou ninguém».

                - Então, camarada… por quem é; isso era dar o dito por não dito…

                -Ou isso, ou um olho negro; escolha!

                Anémico, miudinho, alimentado a queques, Santos Silva é o tipo de homem que tomba com uma rabanada de vento. Uma palmadinha amiga nas costas e perde os sentidos; vai-se-lhe o apetite, mirra, cai à cama e, daí a semanas, morre de tísica. Em suma; se uma carícia afável na face o põe a caldos de galinha, já podem vocês imaginar o efeito de um murro bem assente no toutiço.

                Aí têm vocês pois, a razão porque, anunciou solenemente aos jornalistas:

                -Ao pé do Manuel Alegre, meus senhores, sou um pigmeu!

                Incrédulos, estes ainda confirmaram:

                -Não estará a ironizar?

                E ele, peremptório, para que não houvesse dúvida:

                -Não, não estou!           

                     E assim se livrou Santos Silva, de um “olho à belenenses!” Aquilo não foi acto de contrição. Nenhum político se humilha assim!

    Aquilo foi medo!

    Resta saber do quê...

 

  



publicado por Manuel Maria às 15:22 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Segunda-feira, 2 de Fevereiro de 2009

 

 

 

Conhecia-a há muito tempo.

Vira-a pela primeira vez à saída da missa

 E gostou logo dela;

 Mais uma saída, encontrou-a no comércio,

Depois a meio da semana, na padaria; pediu-lhe namoro, ela disse que sim,

Se os pais consentissem. Vieram a seguir os beijos ao portão.

Depois veio aquela coisa difícil, aquele momento chato de que nenhum homem gosta.

Falou aos pais dela; que sim senhor, que era moço de respeito e bom rapaz; ela esperava-o lá fora, no quintal. Abraçaram-se. O resto, adivinham como é:

Horas a fio, na salinha da costura; ela: "bordei mais um paninho do enxoval; queres ver?” Até que um dia, não suportando mais a espera, ele mordiscando-lhe a orelha, lhe segredou o pedido.

E ela, afastando-o, ciciou: "aqui não"...

"aqui não"...

 



publicado por Manuel Maria às 23:50 | link do post | comentar | ver comentários (1)

 

 

 

Respeitai a adolescência

Cabos da Guarda Fiscal!

Deus que fez homens morenos

Não lhes pode querer mal.

Olhai para as suas mãos:

-Dedos de púrpura e seda…

-Bandidos? – Porém, cristãos

Que se benzem na Alameda…

Ai! Quantos assim se benzeram

Porque, sem dó, os matais!

E tantos não conheceram

Nem sequer os próprios Pais!

Filhos das ervas… No entanto,

Deram fruto; deram flor.

Ó milagre desse espanto

De sonho, seja onde for!

Cada passo, ao vento e à neve,

Mede cem léguas de medo,

E a sombra, apenas, se atreve

A, de penedo em penedo,

Sustendo a respiração,

Ir, sozinha, àquela hora,

Onde aqueles homens vão,

Enquanto a morte os namora…

E, no relógio, os ponteiros

Dão, sempre o mesmo sinal:

-De um lado, carabineiros;

Do outro, a Guarda Fiscal!

 

Pedro Homem de Mello

 

 



publicado por Manuel Maria às 16:00 | link do post | comentar | ver comentários (2)

mais sobre mim
Março 2014
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
13
14
15

16
17
18
19
20
21
22

23
24
25
26
27
28
29

30
31


posts recentes

PELO NOSSO IRMÃO MARCOS, ...

Canção do Volfrâmio

Bom Natal a todos!

O Primeiro Lugar da Poesi...

dramátia Aldeia ao abanon...

RAMOS ROSA E O SEGREDO O...

Recuperação do Património...

As viagens Iniciàticas de...

Os Talassas

Saudade Estranha

Tradição e Pragmatismo

Romance da Branca Lua

Cavaco e o canto da Maria

Crónica do Bairro Alto – ...

Uma História do Arco Da V...

Chá de Erva da Jamaica

Cada cabeça sua sentença!

Tribunal Constitucional ...

Até um dia, companheiro!

Meu último quadro

Paul, o dragão

A Terra Dos Cegos

A venda de uma vaca

Os Insensatos

Nostálgia...

O "Assalto" ao Castelo d...

A Conjura dos Animais

Lenda do Cruzeiro de Saca...

Boas festas!

tatoo

arquivos

Março 2014

Fevereiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Dezembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Junho 2011

Maio 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

links
blogs SAPO
subscrever feeds