A companhia saiu em manobras. Uma coluna de viaturas comandada pelo capitão, com um tenente, um aspirante miliciano quatro sargentos e cinquenta praças distribuídos por duas secções de atiradores.
A meio do percurso uma das viaturas avaria. A coluna detém-se.
-Averigúe porque parou a coluna, nosso tenente – ordena o capitão.
-Nosso aspirante, veja o que se passa – ordena por sua vez o tenente.
-Que aconteceu, nosso sargento? – indaga o aspirante.
-Porque parou esta merda, nosso cabo? – pergunta o sargento.
-Que merda foi esta, pá? - Quer saber o cabo.
-Os caralhos da oficina não viram o óleo, nosso cabo - explica o condutor.
-Falta d’oleo, meu sargento…- informa o cabo.
- Gripou, meu aspirante – reporta o sargento.
-O motor não trabalha, meu tenente – traduz o aspirante.
-A viatura parou, meu capitão – resume o tenente.
-Ora, Cardoso – impacienta-se o capitão - que parou vi eu. Parou porquê?
-Ó Martins – volta o tenente ao aspirante- parou porquê?
-Sei lá!…Tenho ar de mecânico?
-Manobras suspensas – ordena, irritado, o capitão - todos de volta ao quartel!
-E a viatura empanada, meu capitão? – preocupa-se o sargento.
-Aguarda rendição, pá!
-Afirmativo!
E a coluna regressou, para gozo do quartel, sem disparar um único tiro, vencida e com duas baixas: O cabo Franklin e o soldado Gomes, perdidos algures, numa estrada da serra.
Ao fundo, no primeiro andar do edif. cor de tijolo, o meu quarto no quartel dos Lóios.
O edifício cor de tijolo, ao chegar ao largo, metade em altura de três andares, a outra metade um muro corrido rematado de ameias e telhado de uma só água a cair para dentro, tudo guardado por um enorme portão verde, encimado pelo mastro da bandeira, descascado pelo sol.
Transpondo o portão, a casa-da-guarda, à direita de quem entra; uma pequena caserna, com dois respiradouros à altura de um homem e meia dúzia de catres.
Espreita o graduado de dia ao sol cinzento impessoal da parada, o pijama a sair-lhe do traje de brim, meio ensonado:
-Bom dia senhor doutor - e bate a continência.
É "maçarico". Qualquer dia já nem me liga. Subo a rampa. O cabo “polainas” com um praça preparam-se para içar a bandeira. Enche os pulmões, sopra no clarim a cantilena que sei de cor:
Taa ta tataa… taa ta tataa… taa ta tataaaa…
Dezenas de homens sem cérebro, sem cabelo, rapados por igual à navalha do barbeiro, saem da caserna e sobem à parada formando em três filas, virados para o edifício de comando, costas voltadas para o rio.
A sombra azul dos plátanos alinhados ao longo do mirante, projecta-se na calçada. As transparências do céu caem no rio com os barcos atracados no cais da marinha. Nenhum movimento no rio ainda àquela hora da manhã.
Alinham-se as filas. Espera o sargento. À frente o corneta, depois os reforços à porta e por último os faxinas. Tudo a postos para a chamada.
1,2… 1,2… Unir fileiras. Esquerda… Esquerda… Sobe até à formatura no picadeiro a sombra em diagonal dos plátanos, atenção… em frente sentido! 14… Pronto! 125… Pronto! 18… De guarda a S. Bento… 27… baixou à enfermaria! E prossegue a chamada.
Berra o clarim c’o fumo cinzento a subir da cozinha, o sol nos metais amarelos das fardas. Capitão Sá ordena o destroçar. 1, 2… Esquerda volver, marche!
E a sombra desfaz-se pró sol de brim salpicar as janelas e me ferir nos olhos.
Espreita o Rebolo à esquina da sala dos oficiais.
- Despacha-te. Já estamos à espera!
Atravesso a parada em direcção à messe. Passámos todo sábado a jogar King, com intervalo para almoço e jantar.
Botei sorte
Para você
E os astros dizem
Que você é linda de morrer,
Mas isso a gente sabe,
Não precisam astros dizer,
Não precisava a gente
Botar à sorte.
Baralhei,
Lancei de novo,
E os astros dizem
Que você,
Vai pintar muita luz
Em suas asas
E voando, irá,
Incendiar as flores.
Depois,
Tudo que você tocar
Pegará fogo.
Depois,
Esse fogo
Virará centelha
De amor.
E tudo o que você beijar
Nesse seu voo errático
Será melhor.
Assim
Ditaram as cartas.
Assim
Falaram os astros
.
História para adormecer o netinho, quando se reformar depois de perder eleições de 2009:
Era uma vez,
um pobre homem
que vivia num humilde casebre
rodeado de uma pequena granja,
com a mulher, um filho de tenra idade
e duas vacas
desengonçadas
e magras.
Sustentavam-se do que a granja dava,
o que nos dias magros
pouco mais era que queijo
do leite das vacas.
Por isso
Aquilo de que o homem
mais gostava na vida,
era de queijo.
Tinha a dispensa cheia de queijo,
guardava queijo debaixo da cama,
sonhava com queijo,
respirava queijo,
comia queijo ao pequeno-almoço,
ao almoço
e ao jantar!
E claro, depressa chegaram ao casebre
todos os ratos da granja
dispostos a comê-lo
também.
Um dia,
o homem,
encontrou um desses animaizinhos
dentro do queijo
que estava a comer.
Zangado,
chamou a mulher
para que o ajudasse a livrar-se
de todos aqueles ratos.
Sentados à mesa
estiveram todo o dia e toda a noite
a pensar… A pensar…
até que encontraram uma solução:
Encher o casebre de gatos!
Dito e feito.
trouxeram tantos gatos
que os ratos, quando os viram,
pernas para que vos quero,
fugiram para a cochinchina.
O homem ficou muito contente,
Mas a sua alegria não durou muito:
os gatos sentiram-se tão bem no casebre
que não se queriam, ir embora.
Não paravam de correr para cima e para baixo
e até arranharam os chinelos favoritos do homem.
Então, o homem pediu
à mulher
que descobrisse uma forma
de se livrarem deles.
Desesperados,
Sentaram-se todo o dia e toda a noite
a pensar…. A pensar…
Até que encontraram a solução:
Encher o casebre de cães!
Dito e feito.
Trouxeram tantos cães
que os gatos, quando os viram,
pernas para que vos quero,
fugiram para a cochinchina.
O um homem estava muito contente,
mas a sua alegria durou pouco:
os cães sentiram-se tão bem no seu casebre
que já não queriam sair.
Passavam o dia
a ladrar aos vizinhos, e pior:
faziam xixi e cocó
por todos os cantos!
O homem que nunca tal coisa vira;
Pediu à mulher
que encontrasse
uma maneira de se livrarem
de todos aqueles cães.
Desesperados,
Sentaram-se todo o dia e toda a noite
a pensar…. A pensar…
Até que encontraram a solução:
Encher o casebre de leões!
Dito e feito.
Trouxeram tantos leões
que os cães, quando os viram,
pernas para que vos quero,
fugiram para a cochinchina.
O homem
Sentia-se importante, rodeado de feras,
Mas a sua satisfação pouco durou:
Os leões eram tão ferozes que os vizinhos faziam xixi de medo
Só de os ouvir rugir!
Mais uma vez, o homem pediu ajuda à mulher que o livrasse dos leões.
Desesperados,
Sentaram-se todo o dia e toda a noite
a pensar…. A pensar…
Até que encontraram a solução:
Encher o casebre de elefantes!
Dito e feito.
Trouxeram tantos elefantes
que os leões, quando os viram,
pernas para que vos quero,
fugiram para a cochinchina.
Desta vez, a alegria do homem durou pouco:
os elefantes eram tão gordos
que dentro do casebre
não cabia uma agulha!
Rapidamente pediu à mulher ajuda
Para se livrar de todos aqueles elefantes.
Desesperados,
Sentaram-se todo o dia e toda a noite
a pensar…. A pensar…
Até que o filho lhes disse
aquilo que toda as crianças sabem:
-Os elefantes têm muito medo de ratos!
Como naquele casebre
Eram todos
Um tanto ou quanto
Lentos de compreensão,
mandaram vir outra vez os ratos.
Mas os ratos voltaram a comer o queijo;
e para expulsar os ratos, tiveram que trazer os gatos;
e para expulsar os gatos, trazer os cães;
e para expulsar os cães, trazer os leões;
e para expulsar os leões, trazer os elefantes;
e para expulsar os elefantes, trazer os ratos…
E assim,
Sem nunca mais acabar!
(Adaptação a uma adaptação de Joan de Boer a um conto tradicional árabe)