Quinta-feira, 29 de Maio de 2008

Foi no início dos anos oitenta, que conheci D. Óscar Quevedo, o famoso Jesuíta e parapsicólogo espanhol. Tinha vários professores jesuítas e por isso D. Óscar visitou-nos no Instituto. A conversa, lembro-me bem, decorreu num dos claustros seiscentistas das nossas salas de aula; Ele de costas para um dos enormes arcos Henriquinos a explicar-nos os meandros da parapsicologia, que segundo ele não eram nenhuns, porque tudo no fundo tem a sua explicação lógica, e nós, em roda a escutá-lo atentamente.
Foi desde essa altura que fiquei fascinado pelo estudo pelas coisas do oculto, na perspectiva mais cientifica e, aliado a isso, pela etnografia, ritos e religiões antigas.
Um dos ritos que me fascinou desde então, foi o da hierofania da Deusa-Lua na antiguidade celta e a sua ligação aos ciclos agrícolas e contagem do tempo nas sociedades rurais até aos nossos dias.
O meu avô tinha um costume singular: Todos os primeiros doze dias dos meses de Setembro, sentado no balcão de casa, observava o céu ao luar e conjugando o brilho da lua, a limpidez do céu, a humidade, fazia uma carta do tempo para o ano seguinte, prevendo o frio, as chuvas, as secas e as sementeiras em cada mês, regendo assim a sua actividade agrícola.
Este ritual anual, ele não o sabia, nem eu na minha tenra idade o sabia, tinha reminiscências no período neolítico, foi transmitido de geração em geração e tinha a sua razão de ser.
De facto, a Lua é um astro que cresce, decresce e desaparece durante três dias (aqui podíamos fazer paralelismo com a ressurreição de Cristo, mas não vamos «arranjar sarna para nos coçarmos»), que está sujeito à lei do nascimento, crescimento e morte, tal como o homem. Há, inclusive, um hino babilónico que diz que a Lua é «um fruto que cresce por si mesmo». Renasce da sua própria substância, em virtude do seu próprio destino.
Esta perenidade, esta renovação cíclica da Lua, faz com que esta seja, por excelência, o astro dos ritmos da vida, controlando todos os planos cósmicos regidos pelo devir cíclico: água, chuva, vegetação, fertilidade.
As suas fases, revelam ao homem o tempo concreto, distinto do tempo cósmico, que só foi descoberto posteriormente.
Este tempo concreto era medido pelas fases da Lua. Era o Calendário Lunar, que ainda hoje alguns povos, nómadas que vivem da caça e da recolecção, utilizam.
Interessante até, que a raiz indo-ariana de Lua é me, que em sânscrito é mâmi, «eu meço», que daria muito mais tarde no grego méne e no latim mensis (mês).
Este tempo controlado e medido pelas fases da Lua é um tempo vivo. Ligado sempre a uma realidade biocósmica, a chuva, as sementeiras, o ciclo menstrual, a vegetação, que a tudo une numa série relacional de fenómenos dos mais diversos planos cósmicos. A Lua mede, mas também unifica. O mundo deixa de ser um espaço infinito, animado por presenças heterogéneas, para ser um espaço relacional de coordenações e equivalências, em que o denominador comum é a medida biocósmica das fases da Lua.
É assim que desde o período neolítico, aquando da descoberta da agricultura, o simbolismo da Lua anda estreitamente ligado às águas, à chuva, à fecundidade das mulheres, dos animais, da vegetação, ao destino do homem após a morte e às cerimónias de iniciação.
O meu avô não o sabia, mas ao sentar-se todas as noites de Setembro no balcão a observar a Lua, estava a praticar um ritual imemorial ligado ao tempo concreto, biocósmico, muito anterior ao da actual cosmologia.
Quarta-feira, 28 de Maio de 2008

«e, de repente, apetece morrer. Apetece o grande sossego, imóbil e definitivo. Realmente dormir acabado. O silêncio. A solidão sem sobressaltos paisagens caras novas. A paz connosco. E sem espelho. Não ver ninguém, já mais ninguém. Esta esperança mais que certa seja acompanhada de cantos e alegria. Sem olhar para trás, para quem fica andando, inda ache graça. Os imprevisíveis lamentáveis acidentes da nossa viagem, mesmo os veniais, aqueles de que nos não demos conta na altura mas ficaram vibrando ocultos em nós como alarmes parasitas, clandestinos mas insistentes, uma térmita na aparência insignificante inofensiva embora voraz e teimosa, continuaram ressoando corroendo desfazendo lentamente uma qualquer fibra que nunca saberemos onde estava e era importante. Não se previa já? ou seria então o alvo determinado, a rota desde sempre planeada que muito nos espanta permanecesse assim mascarada doutros caminhos possíveis. A sabermos tudo antes, que chateza, que falta de iniciativa! morte prematura. Insisto, jogando no António Maria Lisboa: apetece descansar e deixar os outros descansar e descansados.»
(LUIZ PACHECO in Textos de Guerrilha 2, Ler Editora, 1981)
Terça-feira, 27 de Maio de 2008

Augusto saiu cedinho
Para ir pescar ao rio.
Mas o peixe não picou
E Augusto nada apanhou.
Augusto saiu cedinho
Para ir pescar ao rio.
Jantou sopa de feijão
Esquentada no fogão.
Terça-feira, 20 de Maio de 2008

Ao fundo do quintal
Existe um poço
De onde esvoaçou
Uma andorinha.
E a criança,
Debruça-se
Sobre o espelho d’agua
Para lhe ver o fundo.
Aquilo para ela
Não é o abismo.
É um ninho.
CHEGADA:
- A Primavera chegou, tímida.
MULTIDÃO:
-Arredem. Deixem passar!
-Espera há horas, do outro lado da rua, separada da comitiva pelas baias da polícia. No passeio remodelado para a inauguração, a banca dos jornais.
FOGUETES:
-Não há – dizem- proibidos por causa dos incêndios.
-Já não há é dinheiro para as canas!
AS GORDAS DO JORNAL:
-Um terramoto na “Cochinchina”. Tão longe... Os “chinocas” que se amanhem!
-Crise humanitária na Birmânia. E eu com isso?
- A gasolina sobe três cêntimos. O 20.º aumento do ano. Pagar e não “bufar”!
-Governo revê em baixa o crescimento económico. O País afunda-se mais um centimetros…
-Fecha portas a Delphai. A fome bate á prta de mais 2000 desgraçados. A propaganda oficial, contudo, diz que diminuiu o desemprego… países diferentes estes… os da gente de barriga farta e os dos pés descaços!
- Aumenta o crédito mal parado. Os agiotas que se danem!
-Várias folhas de execuções fiscais. Ai as minhas barbas de molho!
-Páginas da necrologia concorridas. A morte continua certa...
DECLARAÇÕES DA TRISTE FIGURA
à saída:
-Não me resigno…
-Recuso-me a baixar os braços.
PENSANDO ALTO
os meus botões:
A temperatura sobe.
E a bomba vai estoirar-te
Queiras, ou não,
Nas unhas!
Domingo, 18 de Maio de 2008

“Ora nós, que elogiamos muita coisa em Homero, não louvaremos uma […] Nem Ésquilo, quando faz dizer a Tétis que Apolo, ao cantar nos seus esponsais, exaltara a sua bela progénie.
De vida isenta de doenças e de longa duração. Depois que anunciou que de tudo, no meu destino, cuidariam os deuses, entoou o péan, para minha alegria.
Julgava eu que era sem dolo, de Febo a boca imortal, plena da arte dos oráculos. E ele, o mesmo que cantou este hino […]
Ele mesmo é que o matou, esse filho que é meu (αΰτός έστιν ό χτανών τόν παίδα τόν έμόν.) “ (Platão, República II (383a-b)
“Quando casavam Tétis com Peleu
Levantou-se Apolo no esplêndido festim
Do casamento, e falou da ventura dos recém-casados
Com o rebento que sairia da sua união.
Disse: A este nunca lhe tocará a doença
E terá vida longínqua. – Quando disse isto,
Tétis alegrou-se muito, pois as palavras
De Apolo que conhecia das profecias
Lhe pareceram garantia para seu filho.
E enquanto Aquiles crescia, e era
A sua beleza alarde da Tessália,
Tétis lembrava-se da palavra do deus.
Mas um dia chegaram velhos com notícias,
E disseram a chacina de Aquiles em Tróia.
E Tétis rasgava a sua roupa de púrpura,
E arrancava de cima de si e atirava
Ao chão as pulseiras e os anéis.
E por entre os seus prantos lembrou-se do passado;
E perguntou que fazia o sábio Apolo
Por onde andava o poeta que nos festins
Maravilhosamente fala, por onde andava o profeta
Quando matavam o seu filho na flor da vida.
E responderam-lhe os velhos que Apolo
Ele próprio desceu a Tróia
E com os troianos matou Aquiles.”
(Konstandinos Kavafis, poeta de Alexandria, no antigo Império Turco)
Quarta-feira, 14 de Maio de 2008
Um dia vai ser minha namorada
Sou eu quem diz. Você vai ver.
Um dia vai ser minha amada.
Você vai ver. Você vai ver.
Um dia vai se casar comigo
Você vai ver. Sou eu que digo.
Apanharemos avião para Xangai
Você vai ver. Ai ai ai ai!
E a gente vai ser feliz
Lá por Xangai. Sou eu quem diz.
Aí você só vai ter a mim
Lá em Xangai. Vai ser assim.
Você vai ver.
Amor
Você vai ver.
Terça-feira, 6 de Maio de 2008
Hoje respondi a um inquérito de rua. As respostas foram: Sou Católico; Acredito em Jesus como Filho de Deus, creio na Santíssima Trindade; na ressureição dos mortos; na vida eterna e e na vida que há-de vir nos fins dos tempos.
Assim se resume a minha essência; o resto é supérfulo.
Depois desci a rua; e a seguir à rotunda, no fim do passeio, uma mancha branca e vermelha de malmequeres e papoilas, no meio do verde das espigas rasteiras.
Segunda-feira, 5 de Maio de 2008

(Foto retirada de www.eleicao.info)
O Bernardo sucedeu no ofício de sacristão ao pai, Zé Marcos. Serviram o mesmo pároco por várias décadas, pai e filho, pelo que este tem com aquele uma grande intimidade, de que resultam muitas partidas ao pobre clérigo.
Ele é a alva virada do avesso nas cerimónias, o vinho da eucaristia baptizado com vinagre, a troca das intenções nas missas, a mudança súbita de itinerário de uma procissão, e mil e uma inocentes brincadeiras, que seria exaustivo aqui contar, mas que trazem o padre sempre de coração nas mãos e desconfiado.
Uma dessas peripécias deu-se quando o pároco foi acompanhar um defunto à freguesia vizinha. Entrando na sala do velório, o padre, aspergindo o morto, começou assim o responsório:
-Miserere Domine… filium tuum – e descaindo os óculos para o nariz, lendo o papel que o Bernardo lhe estendeu, corrigiu- filiam tuam… Maria da Conceição… -e subindo novamente os óculos, interrompendo a ladainha- ouve cá, ó Bernardo, mas o defunto não era homem?
-Não, senhor prior… -exibiu-lhe o papel- veja bem… é mulher; é o que diz aqui…
-Bernardo… Bernardo…estás-me a enganar!...
-Não estou nada… -e apontando o defunto- não se vê logo que é mulher?...…
-Hum!... mas ia jurar que…
-Vá; ande lá com isso, que já estão todos a olhar para nós…
-Mas tens a certeza de que não é homem?... é que pelo buço…
-Tenho… é mulher, mas esqueceram-se de lhe fazer a barba.
E o padre, enganado, acabou por encomendar uma mulher em vez de um homem. Estou mesmo a ver a cena:
S. Pedro à porta do céu abrindo o livro do registo das entradas e das reexpedições e aparecer-lhe a encomenda de uma Maria da Conceição quando esperava pela do Zé Bicho.
Mas lavrou o assento na mesma, porque não consta que a encomenda tenha sido devolvida ao remetente. E se alguma dúvida existisse ainda, provado fica, que para a eternidade, a questão do sexo é irrelevante!
Sexta-feira, 2 de Maio de 2008

Quando adoeceu,
O António Cecílio fez dois pedidos:
Que o levassem de volta à sua Estrela natal
E uma rosa branca em despedida.
A família fez-lhe a vontade.
António Cecílio regressou
Numa madrugada amena de Abril,
Quando a última neve derretia no cume da Torre,
E a giestas, a urze, o rosmaninho, rebentavam em cores vivas
Pela encosta da serra
Até à frescura do vale.
E pelas 17.30 dessa tarde de Abril,
Levantou-se uma súbita brisa,
Que subindo do vale, à copa dos cedros,
A meia encosta,
Trouxe o cheiro a giesta, à urze, ao rosmaninho,
No preciso momento em que uma rosa branca
Descia à terra.

(foto retirada de http://troll-urbano.weblog.com.pt)
Da primeira vez
Que vi Abril
Foi no rosto do meu pai,
Frio, no gélido ar da serra.
A manhã soalheira, a querer entrar pelas janelas
Do quartel.
O Capitão da coluna militar,
Apeando-se da onimogue,
No largo em frente
E os homens do meu pai de carabinas aperradas
Atrás das vidraças,
Prontos a fazer fogo
Contra Abril.
Depois foi a rendição:
Duas continências solenes,
Um abraço fraterno,
E Abril venceu
Sem disparar um tiro.

O Zé Manel é o cangalheiro da vila; ofício que exerce há anos e onde faz também de notário, registando as disposições última vontade dos futuros clientes. Assim, quando vai na rua é frequente ser abordado para tomar nota de pedidos do género: «Quando me for, não quero levar o padre sicrano…»; «não te esqueças, quero uma campa rasa»; «o meu fato, vem cá ver, está no forro, pendurado numa cruzeta» e outros mais íntimos que não são aqui chamados à colação.
O pedido mais insólito que teve foi o do sacristão da igreja de S. Pedro, que não queria levar no acompanhamento o respectivo padre. Quando o homem morreu teve que se dar a notícia ao padre. Foi um aperto quando entrou com a viúva do defunto no quarto onde aquele convalescia de grave doença, para lhe transmitirem o pedido.
-Então o meu sacristão lá se foi; coitado… - lamentou-se o padre, ofegante, entre duas inalações na máscara de ar, vendo-os entrar.
-É verdade, senhor prior… -engonharam o Zé Manel e a viúva, entreolhando-se, a ver quem arranjava coragem para falar ao padre- já se foi…
O Cangalheiro, que é homem impaciente e desembaraçado, atitou de chofre:
-Sabe, senhor prior… - e dourando a pílula- o senhor já não pode… se não se importasse, o prior de Santa Maria fazia o acompanhamento…
-Quem se atreve a tal blasfémia?! – e atirando com a máscara, furioso- enquanto for vivo, quem manda na minha paróquia sou eu!
Nesse dia, entre duas inalações de ar, o padre de S. Pedro ficou-se; e quem acompanhou o sacristão foi o padre de Santa Maria; e para cúmulo da blasfémia, também o daquele, no dia seguinte.
É bem verdade o que dizia minha avó: «Um homem, depois de morto… cevo ao rabo!»

( retirada de www.eb1-degolados.rcts.pt)
- Carolina… cadê o elemento que está namorando você.
-É aquele ali… pápai – e apontou para o Gonçalo.
-Oi, moço… -fez um ar carrancudo- é você o elemento que está namorando minha filha?
-Sim… - respondeu o Gonçalo, nervoso - sou…
-Então vai ter muito juizinho com ela… ouviu bem?
- Sim…
-Estou falando sério; ouviu, cara? Vai se haver comigo!
-Sim… - em pânico, amarrotando o bibe- quando for grande vou ser Presidente da Junta!
-Bem… então fazemos um trato… – propôs, divertido, ao garoto- você consegue esse negócio e lhe dou minha filha Carolina. Você topa?
-Sim…