
O sol da meia-tarde sobre as hortas;
O caminho descendo como serpente.
E ele. - Sabes, amo-te!
E ela: - Quem mais jura, mais mente!
A fonte velha, que transborda...
Refrescam-se na água corrente.
E ele. - Sabes, amo-te!
E ela: - Quem mais jura, mais mente!
Param à Figueira das Entre-vinhas
Hesitando no caminho em frente.
E ele. - Sabes, amo-te!
E ela: - Quem mais jura, mais mente!
Metendo pelo caminho da Correia,
Passam a vinha do senhor tenente.
E ele. - Sabes, amo-te!
E ela: - Quem mais jura, mais mente!
À Ladeira da Cruz, naqueles campos em volta
Nem uma alma; nem sinal de gente.
E ele. - Sabes, amo-te!
E ela: - Quem mais jura, mais mente!
E à curva do Pindelo, a seguir às poldras,
Nm renque de erva tenra que ali o rio tem.
Ele. - Sabes, apetece-me!
E ela: - Ao diabo as juras. A mim também!
O Eduardo anda no jardim de Infância com um primo, ligeiramente mais velho. Acompanha-o em todas as brincadeiras. Outro dia, o primo não lhe ligou nenhuma.
-Pimo! -e o primo, nada!
-Pimo! - e o primo, nada!
-Pimo! - e o primo nada!
Desabafou com a auxiliar.
- O pimo já não binca comigo...
-E porquê, Eduardo?
-Agora anda sempre com a Ana...
-Deixa lá... os apaixonados são assim... quando lhe dá esquecem os amigos...
- pois...
- Anda, quando se zangarem... já brinca contigo...
E o Eduardo, na sua altura de meio reis de gente, passou pelos pombinhos e atirou ao primo:
- Hás-de cá vir!
Aldeia deserta!
Aqui viverei. A minha vontade ja não me leva além destes montes. Pertenço aqui. Está decidido!
Aqui da colina, voo mais alto que os outros pássaros, lá em baixo. Pairo sobre as ruas desertas como o milhafre. Este voo higiénico de todos os dias, me basta: Duas voltas sobre a praça, um voo razante à flecha do campanário e a descida abrupta sobre a escarpa do rio, onde tenho o ninho.
Aldeia vazia
Terra dos dias calmos
Só as minhas asas
Flamejantes!
Mata-me, meu amor
Com os beijos da tua boca..
Como és bela,
Como és doce!
Fica assim deitada
No meu ombro
Para melhor ver a tua face
Para melhor ouvir a tua voz!
Os teus olhos, para mim são pombas
À beira da água do tanque,
O teu cabelo… seara de Centeio
Ondulando na encosta da serra;
Os teus lábios… favos de mel;
Metades de romã, os teus seios;
E nos braços, torneados a ouro,
Tens encrustados milhares de rubis;
Que colho um a um
Sem descanso.
És bela como a lua
Fulgurante como o sol,
Meu amor.
És o meu jardim secreto
Com cheiro a fruta madura,
Açafrão, canela, incenso,
Jasmim, alecrim,
À sombra do qual me deito
Nos dias de calor.
És a fonte de água fresca
Que desce da montanha
E onde mato a sede
De todos os dias.
Mata-me pois, meu amor
Que os beijos da tua boca
Sabem-me a mel.
Mata-me, meu amor.
Mata-me
Com os beijos da tua boca.
O Ti Morcela teve dois filhos; dois homenzarrões sólidos, de boa aparência. O mais velho fez-se Guarda – Florestal, o outro, por lá anda, pela vila, sem ocupação.
O primeiro tomou-.se de amores pela cunhada e um dia, roído pelo de remorssos, pendurou-se num castanheiro da serra.
Foi o sargento da guarda, com um praça, que levou a notícia ao velho Morcela.
- O seu filho teve um contratempo lá em cima – começou o sargento.
- Qual deles?
- O guarda…
- Mas lá… onde?
- Na serra.
-E depois?
-E depois? Morreu – atalhou o praça, farto daquele “ram ram”.
-Ah sim? – Fez o velho Morcela, poisando a enxada. – Como?
-Enforcou-se – disse o sargento.
-Ah!
E quando o tentaram consolar, ele baixou a cabeça e continuou a descavar as videiras, como se nada tivesse acontecido. O sargento e o praça virarm costas, carreiro acima.
Voltou para casa à noitinha, como se fosse um dia normal de trabalho. Quando passou a vila, como todos já sabiam a novidade, davam-lhe os sentimentos. E ele, abrandando a marcha, acenava; agradecia.. Mas ninguém lhe viu verter uma lágrima.
A partir daí o velho morcela deu em beber e em bater na mulher. Esta, farta de ser o bombo da festa, deixou-o. Passou a vaguear pelos cafés e tabernas da vila e a dormir no banco da carrinha.
Há dias encontrei-o no café do Luís. Completamente inebriado, tinha-se encostado ao balcão e adormecido
Então arrebitou. Levantou-se, com aquela calma que lhe é peculiar e vestiu-se:
-Ó Luís, por quem és, desculpa-me. – e como o Luís continuasse zangado- desculpa…. vá!... olha que te quero bem… foste tu que tiraste o meu filho do castanheiro…. desculpas?
-Pronto… desculpo – condescendeu o Luís.
-Mas desculpas, mesmo?
- Sim... desculpo…
- Mas desculpas mesmo?
-Porra!... sim… já disse!
- E deve-se alguma coisa?
-Não… não deve.
-Então vou indo…
E saíu a cambalear, tentando alcançar a carrinha, do outro lado da rua. E eu atrás, amparando-o, para que não caísse.
Ele há homens que têm cada forma estranha de chorar!...
Enquanto escrevo,
Lês.
Uma pausa.
A mão
Suspende-se no ar.
Os teus olhos
Levantam-se do livro.
A mão treme.
Um beijo
Na Tua boca
Oceânica.
A tua fronte...
O teu cabelo em dilúvio...
A torrente dos beijos
Penetrando em ti
Até ao fundo.
E eu
Em ti,
Desfazendo-me
Em água!
Enfunando os papos,
Saem da penumbra
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" -- "Foi!" -- "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia
Mas há artes poéticas . . ."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei" - "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!"
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugindo ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo cururu
Da beira do rio...
A Rua da Saudade
No meu tempo de estudante
Era assim:?
Nós em cima…. na parada – O Tejo, azul, a perder de vista…
E aos pés… a rua a descer – empedrada – desembocando no Limoeiro.
A casa do Ary a meio, coladinha ao teatro romano. Ele acenava e entrava.
Nela vivia um poeta. Não era estreita… não era larga…
Era a Rua da Saudade!
Era uma rua à Costa do Castelo
Onde vivia um poeta.
-A Rua da Saudade…
As pedras não voam!
as pedras voam em cima das mãos
e as pedras em cima das mãos
são o poema em construção.
As pedras no chão são frio
mas erguidas na vontade são casas
que abrigam os homens e acrescentam solidão.
As pedras não voam!
as pedras voam
quando os olhos olham
e é nos olhos que os poetas como os pássaros se demoram.
As pedras cinzentas
algumas coloridas a fingir de flores.
Algumas são casas, outras escultura
e algumas ainda a face desconhecida de uma divina criatura.
As pedras no chão são frio
as pedras no prato são pão
e á beira terra são rio
e na mudez de alguem possivelmente são uma canção.
As pedras não voam!
as pedras voam em cima das mãos
e as pedras em cima das mãos são os livros antigos
de uma oração com a natureza.
As pedras são fortes
mas não magoam
como as mãos que atiram á sorte
a vida ao chão.
Olha o céu!
aperta aquela mão invisivel da montanha
uma pedra não voa mas em nome de Deus importa o amor na forma que tenha.
As pedras não voam
as pedras não choram
mas as pedras são a terra que ensinam o caminho aos homens.
As pedras não voam
as pedras voam em cima das mãos
e as pedras em cima das mãos
são um poema em construção
Lobo in «dasletras.blogs.sapo.pt»
As botas sujas de terra
E cavavam.
Cavavam, cavavam...
Tchão... tchão; tchão... tchão; tchão... tchão;
Cavava cada um sua valada,
Cada um a sua linha da vida,
cada um o seu fado,
Entre as cepas das videiras.
Cavavam, cavavam...
Tchão... tchão; tchão... tchão; tchão... tchão;
Dez homens cavavam
a vinha.
Eram dez homens
Na vinha
E uma mulher
E as enxadas subiam e desciam
A passo certo e ritmado.
Tchão... tchão; tchão... tchão; tchão... tchão;
O telhado da primeira casa da aldeia
Espreitava a seguir às alminhas
E nem uma aragem nas ramadas,
Nem um pássaro,
Naqueles campos em redor...
Os dez homens e a mulher cavavam
A vinha.
Eles cavavam... cavavam...
Tchão... tchão; tchão... tchão; tchão... tchão;
Pois cavavam...
Mas de guitarra
Nas mãos!
O telhado da primeira casa da aldeia
Espreitava a seguir às alminhas
E naqueles campos em redor...
Tchão... tchão; tchão... tchão; tchão... tchão;
Só o tanger pungente
Das guitarras!
Disse guitarras?
Cabeça tonta!...
Enxadas!...
Enxadas!
Esta noite tá um vento.
Faz lembrar meu catavento.
Era de puro mandacaru seco.
De um galho que colhi daquele mandacaru gigante
que cortaram para botar roça.
Depois de derrubada, ateavam fogo na caatinga.
O mandacaru, cheio de água, não queimava.
Ficava o caule intacto.
As pessoas recolhiam para fazer tábuas para portas.
Fazer mesas.
Caixões dos defuntos das pessoas mais humildes.
Eu usava para construir cataventos.
Gaiolas.
Carros.
Aviões.
Porteiras.
E tudo mais que deitava na imaginação de menino da roça.
Pois era um catavento gigante.
Era mais ou menos do meu tamanho de dez anos.
Para girar, apesar de muito leve, somente nas ventanias de agosto.
Ou nas tempestades das trovoadas de novembro.
Eu esperava paciente.
Quando girava fazia um barulho rouco.
Meu coração batia acompanhando o rítmo.
Fiz muitas viagens em cima daquele juzeiro
pilotando o meu catavento enorme.
Para isso eu o pus bem no alto de um juazeiro
que havia em minha casa.
Quase ninguém mais subia naquela altura.
Não tinham motivos para isso.
Quando muito,os outros meninos iam até
os ninhos dos cabeças.
Eu não.
Pregava o bicho numa vara de marmeleiro bem robusta.
Tinha cerca de uns três metros.
O que era muito grande para o meu corpo fraco.
Subia entre os galhos cheios de espinhos até o alto.
E amarrava a vara em um haste mais forte.
A vara ficava lá com ele no seu azimute.
Quando o vento forte dava.
Ele ia girando meio lento por causa do peso.
Eu ficava torcendo por uma ventania dos diabos.
Sim, era assim que diziam os adultos.
Ventania dos diabos que derruba as roças.
Derruba as cercas.
Suja as casas.
Carrega as palhas secas, comida dos bichos.
Era delas que eu gostava.
Que viesse com o diabo e tudo.
O que importava era que eu viajasse.
Aos diabos as roças e os bichos.
Meu catavento lá no alto não tinha nada com isso.
Tanto é que derrubaram o juazeiro.
Derrubaram a casa.
Eu fui embora.
E o catavento ainda hoje está lá voando.
De vez em quando escuto o seu zunido.
ZUC-ZUC-ZUC-ZUC-ZUC-ZUC-ZUC-ZUC...
“Vela Cariri” (Francisco Avelar da Silva) – advogado e poeta brazileiro
Cortando à frente o vento,
Num bater de asas precipito-me
No abismo!
Sublime era o céu, perfeita é a morte!
Inevitável o Fim!
Eu queria ter
a altura das estrelas
e o brilho forte do luar;
a força grave das trovoadas
e a magia suave das ventanias.
Eu queria ter
a candura das primaveras,
e a ternura das feras
ao nascer,
a alegria do arco-iris
e a frescura louca
das marés...
De Tua graça,
enchia este mundo,
vazio e desavindo
que, de qualquer jeito,
em vão,
procura ser feliz.
Prendê-lo-ia
bem a mim
e com a força
dos teus braços,
o ergueria
em oferenda,
aos cumes infinitos
do Teu Amor...
E prostrados,
em louvor
ficaríamos
para sempre,
no abrigo,
seguro,
a Teus pés...
Vítor Magalhães in “raizesdomundo.blogspot.com”
Navio Naufragado
Vinha de um mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.
É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.
Em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.
E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves dos cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos de videntes.
Sophia de Mello Breyner in "Dia do Mar" 1947