Foi em Junho, pelo S. João,
rosas vermelhas ao portão,
ao passar, colheu um botão,
e subindo ágil o balcão
onde ela apareceu em roupão,
de joelho no chão
perguntou-lhe então:
-Casas comigo, ou não?
e insistindo de flor na mão:
-Casas comigo, ou não?
Ela lhe respondeu "que não".
Oh, tamanha desilusão!
Ela lhe disse "que não"...
Ela disse:
-Não!!
O Juiz entrou e sentou-se. Abriu o portátil e pediu desculpa pelo atraso: "a impressora não conseguira debitar a tempo as trezentas e trinta e uma páginas da decisão instrutória. Lê-la na integra, estava fora de questão". Sugeriu então a leitura resumida, por apontamento, após o que nos consideraríamos notificados para efeitos processuais.
Concordando todos, e nada havendo a requerer ou objectar, o juíz explicou resumidamente, a estrutura da sua exposição: Primeiro abordaria as questões incidentais de inconstitucionalidade da norma, depois da qualificação jurídica de funcionário público, a inconstitucionalidade da supressão das escutas não transcritas nos autos, a nulidade das escutas e por fim, a motivação da pronúncia ou não pronúncia em relação a cada um dos arguídos.
O almoço fora pesado e bem regado. Ainda acompanhei as considerações sobre os pareceres dos professores Gomes Canotilho e Damião a respeito da inconstitucionalidade das normas.
Lembro-me também vagamente de o juiz aflorar a doutrina acerca da equiparação de Pinto de Sousa a funcionário público, para efeitos da hipotética aplicação subsisiária da norma do código penal. Quando entrou na problemática das escutas, já eu não conseguia mais suportar o peso da cabeça; Já o raciocínio se me enleava todo. Recostei-me no cadeirão, fechei os olhos e apaguei-me completamente.
Uma súbita cotovelada na zona lombar, trouxe-me à sala, duas horas e tal depois:
-Acorda, pá... - sussurrou-me o colega do lado- o juíz está a falar do teu arguido!
Nem liguei. A minha posição desde início, foi a de que o debate instrutório era inútil, como ali ficava sobejamente demonstrado. Debrucei-me pois, sobre a bancada, e adormeci de novo.
À saída, nos passos perdidos, enquanto acendia o cachimbo, um dos jornalistas que por ali cirandava, teve a amabilidade de me confirmar o que eu já previra: "o meu cliente fora um dos pronunciados". E ao jantar, no Atlântico, frente ao bacalhau assado e ao jarro de branco, o meu cliente, em tom jocoso, comentou:
-Foda-se, Doutor... O Senhor até ressonou, que eu bem vi!
Com a descontracção de quem se está marimbando para tudo, enchi calmamente o copo e fitei-o nos olhos:
- Ora foda-se, digo eu!.... Para que me havia de dar ao trabalho - rematei - de ouvir aquela merda toda?... Não me diz?!
Levei o copo aos lábios e bebi-o de um só trago. Depois, pousando-o na mesa, enquanto o enchia de novo, pensei: "Porra, estou a ficar mesmo velho e sem pachorra para esta treta de profissão!" E o resto do pensamento, para espanto do cliente, saíu-me inadvertidamente, em voz alta:
-Puta que a pariu!
Agora, não sei porquê, mas tenho cá um "feeling", que me vai pedir a renúncia à procuração. Não sei porquê... mas é pressentimento de "burro velho"; daqueles que já levaram e deram muito coice na vida; entendem?
Ao chegar ao casario
o rio abranda o passo
para mais demoradamente
beijar as hortas
já semeadas.
-É Março-
Vê-se que tudo floresce,
as árvores, não tarda, ganham folhas,
tudo nasce,
sobe das raízes um sussurro,
a seiva aflora aos ramos,
e o campo entra em delírio
numa orgia de cheiros
e de cores.
A velhinha fonte do caminho,
sob o secular carvalho...
morreu!
A caminho de Gondomar, paragem obrigatória pelas 12.30 no restaurante "Atlântico" em Grijó, para a feijoada à transmontana. Na volta o Jantar no mesmo sítio, que um homem não é de ferro! Isto sim... é poesia!
O disco amarelo brilhava na noite escura,
e o céu límpido, deixava passar o luar.
À janela, os craveiros de uma esbatida brancura,
e as portadas abertas de par em par.
Tu sentada à entrada, no banquinho de madeira,
eu apoiado na cancela do portal.
um golpe de vento agitou a velha parreira,
uma coruja gritou na orla do pinhal.
e lembras-te amor? não nos víamos há mês e meio
e brincando disseste, que naquela noite, talvez um de nós morresse.
A minha mão, acariciou então o bico do teu seio
em pequenos círculos, suavemente, para que enrigessesse.
Ai essa tua doce pele! ai aquele teu mamilo duro ao frio!
Ai aquela minha vontade doida em mordê-lo!
Ao fundo do quintal, lembras-te? ouviamos a correr o rio,
e naquela noite, aprendemos que ganhar o paraíso é perdê-lo...
Para sempre.
Aqui para nós,
que ninguém ouve,
- e se ouvir,
é igual-
à minha porta
passa um rio;
e as águas que ele leva,
são lágrimas...
muitas lágrimas
minhas,
que as minhas lágrimas
todas juntas...
davam para encher
um rio.
Nunca vi...
tanta lágrima
junta
assim!
E
à minha porta
passa um rio!
O Vento
Bordou
O Ventre da Brisa.
P
i
n
t
o
u
Borboletas.
Daí, as cores apanharam levezas, de flutuarem.
B
ê
b
a
d
a
s
...
Vandder Lima - (Brazil)
O meu sobrinho Gonçalo, nos seus tenros quatro anitos, olhos com aquele brilho de inocência, que nós adultos, tão bem já conhecemos um dia, confidenciou-me:
- Tio, sabes... tenho uma namorada nova!
-Ah, sim?... e como se chama ela?
-Inês... chama-se Inês - e nem dando tempo a que o interrompesse, acrescentou- sabes... amo-a muito!
Aí, não consegui disfarçar um sorriso. Provoquei-o:
-Mas como sabes que a amas?... que é amor?
-Sabes, tio? Eu dou-lhe muitos... muitos beijos na boca; e ela a mim também...
Ora toma! E eu, que tanto esquecido ando na vida, fiquei a saber o que era o amor.
Vivamos, Lesbia minha, e amemos,
e às maledicencias dos velhos alcoviteiros
demos-lhes menos importância que a um cêntimo.
Os astros podem morrer e nascer;
mas nós, depois que se extinga a nossa fugaz luz,
dormiremos uma última noite eterna.
Dá-me pois, mil beijos, a seguir cem mil;
e a seguir outros mil, e ainda outros cem mil;
imediatamente a seguir outros mil, e por fim mais cem mil.
Despois, feitos já muitíssimos males aos nossos corações,
guardemo-los bem guardados, para que fiquem só entre nós,
e nenhum invejoso possa vê-los com maus olhos,
quando saiba quantos beijos nós demos.
Perguntas-me, quantos beijos teus,
Lesbia, me seriam suficientes,
Se tantos como os grãos de areia do deserto da Libia
que jazem em Cirene, na imensidão das dunas,
entre o oráculo do ardente Júpiter
e o túmulo do ancião Bato;
Ou quantos astros, ao caír da noite,
vêm os amores ocultos dos homens;
Pois eu te digo:
Só esses teus beijos todos satisfarão
o louco Catulo o suficiente,
tantos... que nem posssam contá-los,
nem ridicularizá-los com as suas más línguas,
os curiosos.
Caio Valério Cátulo
Poeta latino séc.I ac in "cancioneiro de Lésbia", na minha tradução muítissimo livre do Latim.