Entre dois espaços na montanha,
Um ponto azul – um traço
Na planície verde
E dança nua das árvores
À carícia do sol.
O fogo, acende em mim
Lenta, lentamente,
O impulso de voar,
E eu, animal eminentemente terrestre,
No espaço da vertigem
-Oh momento de esquecimento -
Ganho asas e subo
Bem acima das minhas raízes,
E lá em cima vejo,
Sem tirar os pés do chão,
Nem sei como dizê-lo:
A inalterável paisagem que se desvenda,
A placidez da água no regato,
As árvores exactas nas colinas,
A pujança do verde,
Sobre o castanho-ocre
Da terra.
“Amouxa” a Gracinda à porta da Ti Olinda:
- Um, dois, três…
Quem está, está…
Quem não está
Que se esconda!
Foge o Chiquinho,
Foge o Miguel,
Foge Zézinho,
Foge o Daniel.
- Um, dois, três…
Quem está, está…
Quem não está
Que se esconda!
Esconde-se também a Maria.
-Um, dois, três, Miguel!
Um, dois, três, Zézinho!
Um, dois, três, Daniel!
Bate a Gracinda na porta da Ti Olinda.
-Um dois três…
Salva todos!
Bate a seguir a Maria.
Às badaladas na torre
-Onde se meteu o Chiquinho?
Horas da ceia…
-Chiquinho, aparece!
E o Chiquinho… silêncio!
-Chiquinho, sai!
E o Chiquinho… nada!
A molecada enfada-se
E o jogo acaba.
Passa na rua o João Cerdeira. Leva aos ombro a saca de semente e à frente segue a burra em pêlo. Lá vai de chapéu a meia aba, calças arregaçadas pela canela e a resmungar: ahuumm, ahuumm, ahuumm… um surdo roncar que lhe sai do peito.
-Onde vais João?
-Vou-me a espalhar uns nabos…
Ai dele! É um pagador de promessas o João! As orações afloram-lhe aos lábios, e logo morrem! E ele faz aquele exercício de concentração: ahuumm, ahuumm ahuumm… qual monge busdista, ao passar na rua.
Lá vai tropeçando nas pedras da calçada, inseguro, curvado ao peso da saca; no ar o som das orações: E a minha mãe diz do cimo do balcão:
-Lá vai o João, semear os nabos dos vales!
Penso com os meus botões:
Quais nabos, qual carapuça! O João é um asceta!.. Cá para mim, não espalha nabos... semeia preces!