Muitas àguas leva a Côa,
Junto à vila do Sabugal;
Quando as àguas vão crescidas,
Ninguém passa no pontal.
O meu rio vai tão cheio,
Que não o posso atravessar!
Vai cheio de mil dores...
Ninguém o póde passar!
Foje a Còa, fujo eu,
Cada um com o seu fado,
Sempre em direcção ao mar,
Qual de nós o mais pesado?
Eu levando meus desgostos;
Ele, a rama dos salgueiros...
Qual de nós o mais pesado,
Correndo ambos ligeiros?
Mas debaixo da velha ponte,
Onde a àgua faz remanso,
Quando beija os salgueiros,
Tem a Côa bom descanso.
As àguas do arco grande,
Aos pés da velha muralha,
Em noite de lua cheia,
Há lá melhor mortalha?
O luar batendo nas àguas,
E nos salgueiros como ladrão,
Assim me roubou a Còa,
A alma e o coração.
Estas àguas da velha ponte,
Por querer seus amores,
Na alma me deixaram,
Mil penas e mil dores.
Mansas àguas tem a Côa,
E salgueiros ao Luar!
Mas quando a cheia é de máguas,
Ninguém as póde passar!
Obs: O meu avô Lourenço Martins, devido à sua conhecida paixão da pesca, foi o homem do concelho do Sabugal que mais conheceu e amou o Côa. Ele tratava o rio como mulher; «a Côa», pela fertilidade das suas àguas. Este poema é, glozando uma cantiga de Antero de Quental, homenagem aos dois.