Acabara de entrar o Inverno de 1504. Baruch Navarro, neto do Rebe Baal Tov, fugido aos progroms de Navarra, levava anos de sapateiro, trabalhando arduamente para ganhar o precioso sustento, numa oficina ali para as bandas da torre do relógio, perto da muralha e da antiga porta da vila.
Ali vivia só, taciturno, sem outra distracção que o cortar do couro e o bater das solas, sempre a queixar-se da dor dos ossos. Quanto custava ganhar o pão!... E este mal não tinha remédio: sempre existiam pobres e ricos, e o que nasce vitima, tem que resignar-se... Já o dizia sua avó: «A culpa era de Eva, da primeira mulher…» De que não tinham elas culpa, as mulheres?
Nevara todo o dia, e a neve cobria as casas com o seu grande manto branco e o gelo pintara todas as árvores e beirais de prata. Com a neve levantara-se o vento Norte e, soprando todo o dia sobre o casario, levava o fumo das chaminés para lá do rio, em direcção à Malcata.
Os dias já eram curtos e em breve escurecera. E através da porta da oficina, para lá do pano da muralha derrubado, sob um céu de cor violeta em que começava a brilhar a primeira estrela, viam-se os campos brancos e indecisos na penumbra do crepúsculo.
Era a primeira noite de Chanucá. Baruch, pousou a tesoura de corte na bancada, pendurou o avental de cabedal no cabide cravado na ombreira que tinha a inscrição hebraica, e fechou o enorme portão da oficina.
Subiu ao primeiro andar e tirou a Chanuquiá do armário trabalhado que havia ao cimo das escadas e colocou-a na pequena janela da sala que dava para o pátio interior.
A este sinal combinado, os vizinhos atravessaram os quintais interiores e, entrando pela porta das traseiras, foram subindo ao primeiro andar, sentando-se em seu redor.
Então, Baruch recitando as bênçãos com grande devoção, acendeu a vela única, colocou o shamash, a vela auxiliar, e começou a cantar Hanerot Halalu.
A chama da vela ardeu com vigor. A assembleia cantou então Avam Maoz Tsur e outras melodias de Chanucá. Várias vezes, entre as melodias, Baruch comentou trechos da Torá.
Quando terminaram, todos se juntaram em volta da mesa a partilhar a ceia. Depois, em redor da candeia, falaram dos acontecimentos do dia e dos problemas da comunidade. Decorridas as primeiras horas da noite, já em pleno Sabath, voltou cada um pelo mesmo caminho escuso dos quintais, entregando-se silenciosamente ao rei do sono, com um canto de fartura e oração de agradecimento a Iavé nos lábios.
E Baruch, enfiando-se no seu catre, viu as estrelas pela janelinha onde ainda ardia a Chanuquiá. E com grande paz no coração concluiu:
-O céu é a minha lâmpada de azeite e eu coloco-a na minha janela para iluminar o caminho do povo da Nação, através da escuridão.