Foto de Lobo Duarte
Hoje o post é sobre o José Lobo Duarte, um amigo pintor e poeta de Coimbra, ainda pouco conhecido, e do qual tive a honra de apresentar o primeiro livro na RTP2. É possivelmente um dos maiores poetas surrealistas portugueses, a par de Cesaryny, e vai editar novo livro, longe das parangonas dos media, a que é avesso. Aqui ficam dois textos (revistos por mim) do poeta; deliciem-se, porque a posteridade vai falar dele:
I - Tenho um pensamento.
Tenho um pensamento; e não tenho coisa alguma, que não seja ouvir, esquecer; e ainda essa tua musica! Eu sei lá onde começa a eternidade! São as palavras que limitam; não os teus braços… O teu corpo…
O grito caiu-te nas mãos? Também nas minhas, como gotas de água. Tenho um pensamento; mas és tu que me guias, que tens os olhos tristes e os lábios doces; e é daí a poesia pura, mas basta a natureza e o instinto dos homens para, que isto e o mais, se acrescente á definição de poesia.
Tenho um pensamento; e é assim uma despedida; mas a musica não deixa que vá; e mais forte ainda é a esperança dos homens. Se eu partir, como poderei ver a esperança dos homens, assim sentida, na perspectiva física, na dúvida que há com a morte e com a fé?
Tenho um pensamento e não tenho, porque sou um pássaro que voa; um momento que escapa. Morremos quando todos os momentos voam do nosso corpo para a paixão e regressam ao momento original, em que não será falsa a pronúncia do amor.
Tenho um pensamento e não tenho; este absurdo, mata-me! Falam-me da guerra e do rapaz nu com uma flor, que afinal não era.
A menina do terceiro andar, que anda na catequese, disse que era um pénis…
Era o milagre do pénis!
Que trazes nesse regaço?
São flores senhor…
Flores!? Mas que espanto esse,
que vejo no teu corpo!
A menina do terceiro, era afinal, e este era o assunto, um menino com pénis, localizado naquele ponto.
Tenho um pensamento e não tenho; e isso me diverte e repugna.
São pénis, senhor…
E toda esta afirmação, com reticencias para o milagre da vida, que é esta saliência. Nasceu disto esta nação; e afinal é o cu, a aparência da portuguesa condição.
Tenho um pensamento, uma folha de trinta e cinco linhas e uma corda...
Amanhã a vida anda á roda!
II- A água que posso imaginar, na ideia do desejo que tenho de ti.
Atravesso o rio, as paredes de água e a sede do teu corpo, a tua cidade onde da janela me chamas; e o meu pensamento anda sempre em viagem; e os pássaros levam em viagem, a minha vontade de ir a outros lugares.
Estou mais a teu lado, quando me afasto da tua presença e trago de volta o paraíso ao teu corpo. Atravesso a água e bebo toda a água que posso imaginar, na ideia do desejo, que tenho de ti.
O meu pensamento anda sempre em viagem. Canto as canções que não me pertencem; e tu entras nessas canções e nas paisagens, que ficam dentro de mim, quando fecho os olhos e as faço desaparecer.
A tua cidade chama-me; e também tu, quando o fazes e me continuas a iluminar!