Quando subia para o tribunal cruzei-me com duas senhoras, que desciam o largo de braço dado. Trata-se de pessoas de avançada idade, que presumo irmãs, porque as vejo sempre juntas, anacronicamente vestidas à anos sessenta, com chapéu na cabeça e luvas de pelica calçadas.
Depois, quando fui tirar fotocópias à papelaria, estavam as duas na fila do registo do euro milhões conferindo os boletins da semana anterior e registando novos boletins. «É um ritual semanal, disse-me a funcionária, no qual gastam mais de trinta euros.»
Não pude deixar de sorrir; o optimismo de duas velhinhas que já pouco têm a esperar da vida, ainda sonhando com o euro milhões.
Subi ao primeiro andar da sala de audiências e, imbuído daquele espírito positivo, mandei às malvas o meu estado deprimido pelas notícias da manhã sobre a crise, e abri assim as contra alegações ao pedido de condenação do Ministério Público:
- Com o devido respeito, meritíssima, as coisas não são tão feias como a senhora procuradora as pinta!
E discorri leve e animadamente durante uns minutos vincando a justiça da minha causa, atrevendo-me a pedir, no fim, a absolvição da arguida.
A juíza, sorriu, complacente. E tive a certeza de que, apesar das circunstâncias, foram umas belas alegações!