É coisa que toda a gente sabe, mas ninguém diz, por medo de alarme social, à excepção de Loureiro dos Santos e Medina Carreira, que haverá grande instabilidade social e isto vai acabar mal.
Que chegámos ao fundo do poço, ninguém duvide: 17% de índice de pobreza, 70% de dependência alimentar externa, fecho generalizado de empresas, índice negativo de crescimento demográfico, desertificação e envelhecimento do interior, crescimento incomportável da divida externa, imoralidade da classe política.
É preciso, digo-o com todas as letras, soletrando – sílaba por sílaba – uma re-vo-lu-ção! Mas que revolução? Nesta altura do campeonato, tanto faz! Cada um que escolha a sua!
E para que cada cidadão possa escolher a revolução que lhe convém, aqui apresentamos de antemão, como Eça na sua campanha alegre, notícias que de cada uma delas darão os jornais da vitória:
Revolução n.º 1:
-27 de Janeiro- J.M.C., tipógrafo chefe da Imprensa Nacional da Casa da Moeda, dá entrevista em que relata que a alteração à ZPE na área do Freeport se deve a gralha de impressão; O lapso será rectificado em DR posterior. Inquérito da Procuradoria, concluído em dois dias, iliba Sócrates no caso Freeport. O Governo, que felizmente nos governa, continua a sua magnífica obra de contenção do défice, aumento do emprego, diminuição da carga fiscal e reforma da administração pública. O banqueiro Jardim Gonçalves é detido, quando janta no Tavares Rico – conta quem assistiu, que reagiu com elevada dignidade; o piquete da PJ foi discreto, permitindo que o conhecido banqueiro degustasse até ao fim o afamado bife à casa -. S Exa., o Presidente da República, recebe em audiência semanal na sua residência de Boliqueime, onde prolongou as férias de Natal, S. Exa. o senhor primeiro-ministro. É avistado no pão dos pobres, na Igreja de Santo António à Sé, o conhecido empresário Joe Berardo; embora embuçado e com barba de semana, foi reconhecido pela sua habitual indumentária preta. O Poeta Manuel Alegre, de partida para Jacarta, onde foi colocado como embaixador, visita a exposição de Júlio Pomar, no palácio foz. O Sr. Cardeal Patriarca exige que o PR vete a lei dos casamentos gays; O PR, não obstante, promulga-a. A SGTP congratula-se com a suspensão do novo código de trabalho. O Governo cria fundo de apoio às pme’s. A taxa de desemprego desce ligeiramente; vai renascendo a esperança.
Revolução n.º 2
-27 de Janeiro- O Dr Paulo, Juiz titular do 3.º Juízo Criminal de Leiria preside a uma busca numa agência bancária da cidade, no rasto dos 4 milhões de euros do caso Freeport. O Primeiro-Ministro, impotente para debelar a crise e desgastado pelo escândalo, demite-se. O PR pede a Dias Loureiro que convença Manuel Alegre a presidir a um governo de unidade nacional; Este corre Dias Loureiro e comitiva a pontapé. O PR, sem alternativas, indigita Paulo Portas, que empossado às 13 horas, vai em grande comitiva, almoçar ao Tavares Rico. Chega da sua visita “ad limine” à Sé Apostólica, o Sr. Cardeal Patriarca; Mantêm, ficamos a saber, as reservas aos casamentos mistos entre católicas e muçulmanos; ao inverso, não. A primeira medida do novo governo é queimar os arquivos do ministério do ambiente relativos ao caso Freeport e Portucale. De seguida licencia a tropa, põem a Guarda Republicana de prevenção e fecha os jornais da oposição. É apupado à saída de S. Bento o ex-ministro Santos Silva; não se livra de uma saraivada de sopapos e uma dúzia de ovos podres. À noitinha, são apanhados a sair do Gambrinus os comentaristas Polido Valente e Sousa Tavares – conta quem viu, que vinham de braço dado, muito amigos; juram outros que pareciam embriagados-. Os novos membros do governo atribuem-se ordenados de 15.000,00€; esfuma-se a esperança.
Revolução n.º 3
-27 de Janeiro- Levantamento popular por todo o país. Formam-se por toda a parte comissões populares. A tropa sai à rua, secundando o povo. É saqueada a casa de Sócrates na Rua Braancamp. Dissolve-se o parlamento; cai o governo. Telegrafa-se a Bruxelas a dizer que agora é o povo quem manda. Vão presos e responder a processo os principais vultos dos últimos anos da política nacional. Desembarca em Paris, onde se exila, o conhecido empresário e capitalista Jorge Mello. O Poeta Manuel Alegre é indigitado pela Junta Governativa para formar governo provisório. É certa a reforma dos impostos, a suspensão das medidas do regime deposto, nova constituição. Há semanas que não há notícias do PR e do Sr. Cardeal Patriarca; diz-se que um está a ares em Boliqueime, o outro em repouso na sua casa de Alvorninha. Corre que os comentaristas Polido Valente e Sousa Tavares se pegaram à lambada quando saíam do Gambrinus – conta quem viu, que estavam embriagados-. Cada membro do novo governo provisório prescinde do salário; renasce a esperança.