O caso era por injúrias ao vizinho. A arguida chamara-lhe nomes feios e ele, ofendido, deduzira a queixa.
Depois, após o crivo do inquérito e debate instrutório, ali estávamos, juiz, procurador, advogados, queixoso, arguido, testemunhas e assistência, para o julgamento aprazado.
A arguida, à “praxe” nada acrescentou, por isso ouviram-se as testemunhas, que vizinhas das partes, com as quais se não queriam indispor, iam fugindo como podiam às questões postas pelo juiz e pelo advogado do queixoso.
- Minha senhora – insistia o advogado do queixoso – diga a este tribunal o que ouviu em concreto a arguida chamar ao queixoso.
- Ora, senhor doutor – gaguejou a testemunha - disse que a mãe e a mulher dele não se portavam bem…
Não se portavam bem… - o advogado cofiou a barba, hesitou – não se portavam bem como, minha senhora? -
- Não se portavam bem… Só isso...
- Bem… No inquérito a senhora afirmou que a arguida chamou nomes ao queixoso. – Exaltando-se – Afinal, que nomes foram esses?
O juiz levantou os olhos dos apontamentos. Silêncio da testemunha. O advogado insistiu:
- Que nomes foram esses, minha senhora?
Um popular levantou-se na assistência e comentou em voz bem audível na tribuna dos magistrados e advogados, apontando para a testemunha:
- Está aqui com pudores, mas em casa chama cabrão e outras coisas bem piores ao marido.
Risada geral. O juiz fingiu-se zangado e advertiu o público.
- Senhor doutor – dirigiu-se o advogado do queixoso ao juiz- a testemunha tem que dizer a este tribunal “ipsis verbis” o que ouviu a arguida chamar ao queixoso; caso contrário não vale.
- Minha senhora – suspirou o juiz – tenha paciência, mas tem que dizer precisamente o que ouviu, palavra por palavra para que fique registado nos autos e satisfaça aqui o senhor doutor.
- Cabrão, filho da puta e corno – desembuchou ela, de rajada.
- Viu, minha senhora – concluiu o juiz – afinal não foi assim tão difícil!
Nós rimos, satisfeitos, enquanto a testemunha, aliviada, tirando o lenço da manga da blusa domingueira, limpava o suor da testa.
O queixoso, esse não riu; contorceu-se de vergonha na cadeira. Acabava de ser insultado outra vez!