Medina Carreira, que conheci nos anos oitenta quando me entregou um prémio de jovem investidor na bolsa, era entusiasta defensor do neo-liberalismo; lembro-me bem! Agora é o profeta da desgraça do neo-liberalismo... Há dias ouvi-o a dizer na “SIC” que «isto chegou a tal ponto que não pode acabar bem». - Quem o viu e quem o vê!
Ora a verdade é que Isto já não anda bem há séculos, pelo que o que Medina Carreira diz à boca cheia é peçonha antiga cujos sintomas já fizeram correr muita tinta de mergulho e chafurdo a muito bom doutor antes dele.
Eis aqui um desses diagnósticos, feito pelo Eça ao País há cento e quarenta anos e que, com pequenas adaptações, ainda é hoje certeiro:
«O país perdeu a inteligência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. A Classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta a cada dia. Vamos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce… O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O estado é considerado na sua administração fiscal um ladrão e tratado como um inimigo.
Neste salve-se quem poder a burguesia proprietária das casas explora o aluguer. A agiotagem explora o juro.
De resto a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. O Número das escolas só por i é dramático. O professor tornou-se um empregado de eleições. A população dos campos arruinada, vivendo em casebres ignóbeis sustentando-se de sardinhas e erva, trabalhando para o imposto por meio de uma agricultura decadente, leva uma vida de misérias, entrecortada de penhoras. A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País. Apenas a devoção perturba o silêncio da opinião, com padres-nossos maquinais.
Não é uma existência, é uma expiação.
E a certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: «O País está perdido!» ninguém se ilude. Diz-se nos conselhos de ministros e nas estalagens. E que se faz? Atesta-se, conversando e jogando o voltarete, que de Norte a Sul, no Estado, na Economia, na moral, o País está desorganizado – e pede-se conhaque!
Assim todas as consciências certificam a podridão; mas todos os temperamentos se dão bem na podridão!» Eça de Queirós, “Uma Campanha Alegre”, 1871.
Estes sintomas, supra descritos, Eça sintetizou-os na seguinte definição que deu de Portugal:
- «Agregação heterogénea de inactividades que se enfastiam.»
Mas, cá para mim, prefiro uma designação para a doença bem mais asséptica; na perspectiva da terapêutica e não da sintomatologia como fez Eça. Aqui vai:
- Trupe organizada, rindo despreocupadamente.
É que este País é tão triste e podre que só rindo! Rir, o único remedio. Rire un brin.
- Que vos parece, companheiros? Vá; todos a rirmos a bandeiras despregadas!
Façamos de conta que Isto não é um País, mas uma comédia de Baudelaire em que somos farsantes!
- E assim, rindo, rindo, vamos esquecendo…