Quinta-feira, 4 de Dezembro de 2008

 

 

Na perspectiva diferente de dois autores portugueses. A dissemelhança não é só temporal, não está só na abordagem sócio-cultural do tema da sedução - no primeiro a iniciativa é do homem; no segundo da mulher– mas também na qualidade da escrita – uma genial; outra medíocre:

  

Texto I 

 

 

 

Luísa corou. – Não, tinha muito medo da trovoada. Tinha ouvido a trovoada, ele?

- Estava a cear no grémio, quando trovejou.

- Costumas cear?

Ele teve um sorriso feliz. – Cear! Se se podia chamar cear ir ao Grémio rilhar um bife córneo e tragar um Colares peçonhento!

E fitando-a:

- Por tua causa, ingrata!

Por sua causa?

- Por quem então? Porque vim eu a Lisboa? Porque deixei Paris?

- Por causa dos teus negócios…

Ele encarou-a severamente.

- Obrigado – disse, curvando-se até ao chão.

E a grandes passadas pela sala soprava violentamente o fumo do seu charuto.

Veio sentar-se bruscamente  ao pé dela. – Não, realmente era injusta. Se estava em Lisboa, era por ela. Só por ela!

            Fez uma voz meiga, perguntou-lhe se ele tinha realmente um bocadinho de amor muito pequenino, assim… - Mostrava o cumprimento da unha.

            Riram.

            - Assim, talvez.

            E o peito de Luísa arfava.

            Ele então examinou-lhe as unhas; admirou-lhas e aconselhou-lhe um verniz que usam as  cocottes, que lhes dá um lustro polido; ia-se apossando da sua mão, pôs-lhe um beijo na ponta dos dedos; chupou o dedo mínimo, jurou que era muito doce; arranjou-lhe  com um contacto muito tímido uns fios de cabelo que se tinham soltado – e, disse, tinha um pedido a fazer-lhe!

            Olhava-a com uma suplicação.

            - Que é?

            - è que venhas comigo para o campo. Deve estar lindo no campo.

            […]

Luísa hesitava.

            - Não digas que não.

            - Mas onde?

            - Onde tu quiseres. A Paço de Arcos, a Loures, a Queluz. Dize que sim.

             A sua voz era muito urgente, quase ajoelhava.

            - Que tem? È um passeio de amigos, irmãos.

            - Não! Isso não!

            Basílio zangou-se, chamou-lhe «beata». Quis sair. Ela veio tirar-lhe o chapéu da mão, muito meiga, quase vencida.

            - Talvez, veremos – dizia.

(Eça de Queirós, in “O Primo Basílio”, Planeta Agostini, pág. 121 e 122)

 

 Texto II

 

  

 

O professor alguma vez comeu comida sueca?”, perguntou Lena, adocicando a voz.

“Comida sueca? Uh… sim, acho que comi em Malmö, quando lá fui no Inter-rail.”

“E gostou?”

“Muito. Lembro-me que era bem confeccionada, mas muito cara. Porquê?”

Ela sorriu.

“Sabe, professor, acho que não vai conseguir explicar-me tudo em apenas meia hora. Não quer antes  vir almoçar a minha casa e ajudar-me a ver as coisas com mais calma, sem pressas?”

“Almoçar em sua casa?”

A proposta era inesperada e Tomás ficou atrapalhado, não sabia como lidar com aquele convite. Pressentiu que ele acarretava uma mão-cheia de problemas, anteviu mil complicações, mas não havia dúvidas que Lena era uma rapariga agradável, ele sentia-se bem  na presença e a tentação era grande.

“Sim, faço-lhe um prato sueco que o vai deixar de água na boca, vai ver.”

[…]

“Está bem”, assentiu. “vamos  lá almoçar”.

 Lena abriu-se num sorriso encantador.

“Então está combinado”, exclamou ela. “Vou fazer-lhe um prato que o vai deixar a implorar por mais. Marcamos para amanhã?”

[…]

“Não pode ser”, abanou a cabeça. “Tenho de ir à… uh… tenho um compromisso amanhã, não posso ir.”

“E depois de amanhã?”

“Depois de amanhã? Sexta-feira? Humm… sim, pode ser.”

“À uma da tarde?”

À uma. Onde é a sua casa?”

Lena deu-lhe a morada e despediu-se, pespegando-lhe dois beijos húmidos na cara. Quando ela saiu, deixando o delicioso aroma do seu perfume a pairar no gabinete como se fosse uma assinatura fantasmagórica, Tomás olhou para baixo e apercebeu-se, surpreendido, excitado, de que os seus fluidos já tinham reagido, a química estava em movimento, o corpo ansiava pelo que a mente reprimia. Uma vigorosa erecção enchia-lhe as calças.

(José Rodrigues dos Santos, in “O Codex 632”, Gradiva, pág 147 e 148)

  



publicado por Manuel Maria às 14:16 | link do post | comentar

1 comentário:
De ana a 4 de Dezembro de 2008 às 23:18
Pois é. Há a sedução e o atiranço . E há maneiras sedutoras de falar disso e outras maneiras que podem até parecer falta de maneiras. Também nas letras se pode estabelecer uma linha de decoro sem fugir do realismo.


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