Vivia numa casa com um pequeno quintal e era uma gata riscada, de pelo curto, indolente; e por isso a dona a baptizou de “papa hóstias”, alcunha se dá na região às pessoas indolentes.
Sobre o muro do quintal onde vivia a gata “papa-hóstias”, uma nogueira estendia os seus ramos, cujas nozes amarelecidas caíam na estrada. Os carros ao passarem, escachavam a casca, expondo o miolo.
As galinhas da quinta, com o tempo, aprenderam a associar o roncar dos carros ao barulho da noz e corriam a disputar o fruto.
Só que às vezes passava um segundo carro, que elas, por se dar o caso de serem bichos fracos de cabaça, não eram capazes de associar à queda da noz e sucedia serem atropeladas com frequência.
Pois na quinta vivia também uma galinha, que no seu desvelo de mãe, resistiu estoicamente semanas no choco à disputa das nozes.
Mas um dia, constatando que os filhos estavam a eclodir, não resistiu ao apelo da noz, em tão má hora, que acabou atropelada pelo segundo carro que passava.
Os pintos vieram ao mundo órfãos; o primeiro ser que viram foi a gata “papa- hóstias”, que em paço indolente atravessava o pátio para o borralho da lareira.
Seguindo o seu instinto natural, os pequenos seres, em fila, seguiram a gata “papa-hóstias”, que, contrariada, se viu adoptada por tão inusitada prole.
Nos tempos seguintes, a gata “papa-hóstias” foi-se resignando a este seu novo papel e gradualmente aos tiques nervosos de galináceo, cuidando com desvelo da sua ninhada.
Era vela, por exemplo, atravessar o pátio em diagonal numa correria doida com as outras galinhas e a pôr-se a esgravatar o chão. Passou também preferir o desconforto do galinheiro ao quentinho do borralho.
O tempo passou; veio um dia em que os pintos se tornaram vistosos frangos e também o dia da festa da padroeira da vila.
A dona de casa que tinha favores a pagar ao presidente da junta, ao prior, ao professor, ao advogado, ao médico e o sargento da guarda, resolveu presenteá-los com uma tortilha de frango.
E foi assim que a gata “papa-hóstias” viu o cutelo ceifar a sua prole. Enroscou-se num canto do galinheiro, recusando todos os petiscos com que a dona a quis comprar.
E jurou nunca mais por um único ovo na vida!