Domingo, 5 de Outubro de 2008

 

 

 

           

            Vivia numa casa com um pequeno quintal e era uma gata riscada, de pelo curto, indolente; e por isso a dona a baptizou de “papa hóstias”, alcunha se dá na região às pessoas indolentes.

            Sobre o muro do quintal onde vivia a gata “papa-hóstias”, uma nogueira estendia os seus ramos, cujas nozes amarelecidas caíam na estrada. Os carros ao passarem, escachavam a casca, expondo o miolo.

            As galinhas da quinta, com o tempo, aprenderam a associar o roncar dos carros ao barulho da noz e corriam a disputar o fruto.

            Só que às vezes passava um segundo carro, que elas, por se dar o caso de serem bichos fracos de cabaça, não eram capazes de associar à queda da noz e sucedia serem atropeladas com frequência.

            Pois na quinta vivia também uma galinha, que no seu desvelo de mãe, resistiu estoicamente semanas no choco à disputa das nozes.

            Mas um dia, constatando que os filhos estavam a eclodir, não resistiu ao apelo da noz, em tão má hora, que acabou atropelada pelo segundo carro que passava.

            Os pintos vieram ao mundo órfãos; o primeiro ser que viram foi a gata “papa- hóstias”, que em paço indolente atravessava o pátio para o borralho da lareira.

            Seguindo o seu instinto natural, os pequenos seres, em fila, seguiram a gata “papa-hóstias”, que, contrariada, se viu adoptada por tão inusitada prole.

            Nos tempos seguintes, a gata “papa-hóstias” foi-se resignando a este seu novo papel e gradualmente aos tiques nervosos de galináceo, cuidando com desvelo da sua ninhada.

            Era vela, por exemplo, atravessar o pátio em diagonal numa correria doida com as outras galinhas e a pôr-se a esgravatar o chão. Passou também preferir o desconforto do galinheiro ao quentinho do borralho.

            O tempo passou; veio um dia em que os pintos se tornaram vistosos frangos e também o dia da festa da padroeira da vila.

            A dona de casa que tinha favores a pagar ao presidente da junta, ao prior, ao professor, ao advogado, ao médico e o sargento da guarda, resolveu presenteá-los com uma tortilha de frango.

            E foi assim que a gata “papa-hóstias” viu o cutelo ceifar a sua prole. Enroscou-se num canto do galinheiro, recusando todos os petiscos com que a dona a quis comprar.

            E jurou nunca mais por um único ovo na vida!

 

 



publicado por Manuel Maria às 19:33 | link do post | comentar

1 comentário:
De ana a 11 de Outubro de 2008 às 23:29
Pois, como diz o povo, parir é dor e criar é amor!


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