Quinta-feira, 28 de Fevereiro de 2008

 

 (O Amilcar com o major)

 

  

            Episódio 1

 

            Estávamos todos à porta do tribunal, gozando o sol da manhã, o Amílcar Fernandes o João Medeiros, o Pinto de Sousa e eu. Os Jornalistas, também em grupo, uns passos mais distantes, tentavam apanhar-nos o fio da conversa.

            -Havias de cá ter estado ontem – diz-me o Medeiros – foi uma tourada – referindo-se à pega do Major, no dia anterior, com a inspectora Leonor da  PJ.

            - Ouvi comentar…

            - Eles picaram-no cá fora de propósito –explica o Amílcar- e sabendo como ele ferve, estavam à espera de quê?

            De repente os jornalistas começam a correr escadas abaixo. Risada geral no nosso grupo.

            -Olha, o gajo já chegou – observa o Amílcar.

            Daí a instantes, ouve-se o vozeirão do major, que vem a subir as escadas e cumprimenta os jornalistas:

            - Bom dia meus senhores.

            Para no primeiro patamar. Faz pose para as fotografias e desafia:

            - Já todos tiraram?

            O Pinto de Sousa não contém o riso. Libertando-se dos jornalistas o Major dirige-se ao nosso grupo e antes de nos cumprimentar, um a um, lança uma piada ao Pinto de Sousa:

            - Parece que te está a correr bem a vida, Zé! -e antes que este pudesse responder, conclui – é que hoje estás muito bem disposto…

            Nova risada no grupo.

 

 

            Episódio 2

 

            Após uma extenuante sessão de julgamento, estou quase a chegar a casa. O telemóvel toca. Penso: se for algum cliente nem atendo; não estou com disposição para mais assuntos de trabalho, por hoje. No visor aparece o número do tribunal e do outro lado a voz da D. Fernanda:

            - Boa noite doutor João…

            -Boa noite D. Fernanda… que me quer a estas horas?

            -Desculpe o mau jeito… mas vai ter de voltar para trás…

            -Para trás como?

            -É que o senhor Doutor Juiz resolveu inquirir mais uma testemunha... fora do horário de expediente…

            -Hum… -respondo divertido- nessa não caio… D. Fernanda.

            Então ela foi directa ao assunto:

            -Sabe, doutor – desculpa-se- tenho que desconvocar uma testemunha, que estava para amanhã…

            -Então desconvoque-a D. Fernanda – brinco eu- está autorizada…

            -Deixe-se de brincadeiras doutor… é que não tenho o número… é o António Ribeiro….

            -Sim…. estou a ver quem é… é o ourives, não é?

            -Sim, doutor; esse mesmo.

            -E que pretende de mim, D. Fernanda?

            -O número dele, doutor… o número…

            -Mas o número está no processo, D. Fernanda; na identificação das testemunhas e nos autos de inquirição…

            -Eu bem sei doutor… mas o senhor procurador e o senhor juiz têm o processo fechado a sete chaves…

            -Ora, D. Fernanda… porque havia logo eu de ter o número do homem?

            -É que o senhor conhece bem o processo e lembrei-me que talvez soubesse…

            -Quem deve saber - provoco-a-  é o Oliveira e O Castro Neves. Há no processo uma transcrição de escuta em que o Oliveira dá o número ao Castro… porque não liga a um dos dois?

            - Ora doutor… não me arranja você o número que vem na transcrição?

            E lá fui consultar a transcrição e tirei o número para que a testemunha pudesse ser desconvocada às 21.00 horas desse mesmo dia.

 

 

Episódio 3

           

            Na sessão de ontem foi ouvido como testemunha o António Garrido, conhecido ex-arbitro internacional de futebol, o qual falou de arbitragem e dos árbitros em geral.

            A certa altura do seu depoimento, a pergunta do Juiz sobre se era normal haver contestação aos árbitros quando as equipas da casa perdiam, com alguma graça respondeu:

            -Sabe, senhor doutor, na minha juventude, quando ainda não era arbitro e ía ver o jogos da equipa do meu coração – o marinhense- eu era o pior inimigo dos árbitros que podia haver; chamava-lhes os piores nomes possíveis. Agora compreendo bem melhor o papel dos árbitros e acredito neles.

            Depois foi interrogado pela acusação, assistente e defesa. Quando chegou a vez do Amílcar Fernandes, este recostou-se no cadeirão, respirou fundo e atirou:

            -Sabe Senhor Garrido, ao ouvi-lo aqui dizer que até o senhor chamou nomes aos árbitros, a minha alma fica em paz – e abrindo os braços, deixando caír as mangas da toga, até se lhe verem os punhos da camisa branca– é que, confesso-o aqui publicamente, eu a si também já lhe chamei muitos nomes feios!

            Risada geral na sala.

           

 



publicado por Manuel Maria às 10:22 | link do post | comentar

4 comentários:
De ana a 28 de Fevereiro de 2008 às 18:00
Que alegria, Manuel Maria, em vê-lo de volta, com estes seus refrescantes escritos.

Já temia que o seu tempo não lhe permitisse mais dar-nos estes momentos tão bons de leitura.

Esse caso do apito envolve, de facto, uns "cromos raros", se me é permitida a expressão.


De Ribacôa a 28 de Fevereiro de 2008 às 19:18
Há que estar atento. Com estes "marmanjos" todo o cuidado é pouco. Nunca se sabe, se um destes dias, finda a audiência de julgamento e no acto de despir a toga, não se solta de uma qualquer bainha um "apitozinho" amarelo, que ali terá ido parar por pura arte mágica.


De Manuel Maria a 3 de Março de 2008 às 12:28
eu bem descozo a baínha... mas não tenho essa sorte...


De Vilar a 3 de Março de 2008 às 18:11
Eles bem sabem onde os metem. Magicamente falando é claro.


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