(O Amilcar com o major)
Episódio 1
Estávamos todos à porta do tribunal, gozando o sol da manhã, o Amílcar Fernandes o João Medeiros, o Pinto de Sousa e eu. Os Jornalistas, também em grupo, uns passos mais distantes, tentavam apanhar-nos o fio da conversa.
-Havias de cá ter estado ontem – diz-me o Medeiros – foi uma tourada – referindo-se à pega do Major, no dia anterior, com a inspectora Leonor da PJ.
- Ouvi comentar…
- Eles picaram-no cá fora de propósito –explica o Amílcar- e sabendo como ele ferve, estavam à espera de quê?
De repente os jornalistas começam a correr escadas abaixo. Risada geral no nosso grupo.
-Olha, o gajo já chegou – observa o Amílcar.
Daí a instantes, ouve-se o vozeirão do major, que vem a subir as escadas e cumprimenta os jornalistas:
- Bom dia meus senhores.
Para no primeiro patamar. Faz pose para as fotografias e desafia:
- Já todos tiraram?
O Pinto de Sousa não contém o riso. Libertando-se dos jornalistas o Major dirige-se ao nosso grupo e antes de nos cumprimentar, um a um, lança uma piada ao Pinto de Sousa:
- Parece que te está a correr bem a vida, Zé! -e antes que este pudesse responder, conclui – é que hoje estás muito bem disposto…
Nova risada no grupo.
Episódio 2
Após uma extenuante sessão de julgamento, estou quase a chegar a casa. O telemóvel toca. Penso: se for algum cliente nem atendo; não estou com disposição para mais assuntos de trabalho, por hoje. No visor aparece o número do tribunal e do outro lado a voz da D. Fernanda:
- Boa noite doutor João…
-Boa noite D. Fernanda… que me quer a estas horas?
-Desculpe o mau jeito… mas vai ter de voltar para trás…
-Para trás como?
-É que o senhor Doutor Juiz resolveu inquirir mais uma testemunha... fora do horário de expediente…
-Hum… -respondo divertido- nessa não caio… D. Fernanda.
Então ela foi directa ao assunto:
-Sabe, doutor – desculpa-se- tenho que desconvocar uma testemunha, que estava para amanhã…
-Então desconvoque-a D. Fernanda – brinco eu- está autorizada…
-Deixe-se de brincadeiras doutor… é que não tenho o número… é o António Ribeiro….
-Sim…. estou a ver quem é… é o ourives, não é?
-Sim, doutor; esse mesmo.
-E que pretende de mim, D. Fernanda?
-O número dele, doutor… o número…
-Mas o número está no processo, D. Fernanda; na identificação das testemunhas e nos autos de inquirição…
-Eu bem sei doutor… mas o senhor procurador e o senhor juiz têm o processo fechado a sete chaves…
-Ora, D. Fernanda… porque havia logo eu de ter o número do homem?
-É que o senhor conhece bem o processo e lembrei-me que talvez soubesse…
-Quem deve saber - provoco-a- é o Oliveira e O Castro Neves. Há no processo uma transcrição de escuta em que o Oliveira dá o número ao Castro… porque não liga a um dos dois?
- Ora doutor… não me arranja você o número que vem na transcrição?
E lá fui consultar a transcrição e tirei o número para que a testemunha pudesse ser desconvocada às 21.00 horas desse mesmo dia.
Episódio 3
Na sessão de ontem foi ouvido como testemunha o António Garrido, conhecido ex-arbitro internacional de futebol, o qual falou de arbitragem e dos árbitros em geral.
A certa altura do seu depoimento, a pergunta do Juiz sobre se era normal haver contestação aos árbitros quando as equipas da casa perdiam, com alguma graça respondeu:
-Sabe, senhor doutor, na minha juventude, quando ainda não era arbitro e ía ver o jogos da equipa do meu coração – o marinhense- eu era o pior inimigo dos árbitros que podia haver; chamava-lhes os piores nomes possíveis. Agora compreendo bem melhor o papel dos árbitros e acredito neles.
Depois foi interrogado pela acusação, assistente e defesa. Quando chegou a vez do Amílcar Fernandes, este recostou-se no cadeirão, respirou fundo e atirou:
-Sabe Senhor Garrido, ao ouvi-lo aqui dizer que até o senhor chamou nomes aos árbitros, a minha alma fica em paz – e abrindo os braços, deixando caír as mangas da toga, até se lhe verem os punhos da camisa branca– é que, confesso-o aqui publicamente, eu a si também já lhe chamei muitos nomes feios!
Risada geral na sala.