Quarta-feira, 13 de Fevereiro de 2008

 

 

           

            Já tremeluzia a estrela Vénus e o campo adormecia majestoso e doce. O contorno dos cabeços e das moitas fundiam-se nas sombras das pastagens e a uns metros mais abaixo, um toque de um chocalho de gado, o cochichar das águas no açude do Pereiro. Eu já tinha ajudado o Zé Carlos a degolar o galo. Sentio-o exalar o último suspiro, enquanto apanhei o sangue para a malga.  

            Assim nos encontrou o Nuno, nesta azáfama, quando veio lá de dentro dizer que a panela de ferro já fervia. Era na cozinha adossada ao barracão, que tínhamos preparada a ceia. E aí já eu picara as cebolas, os tomates, o alho, a salsa, tudo muito miudinho para fazer o refugado, como pedira o Mário. Nas duas mesas de esplanada, a mesa posta para dez pessoas, encostado à parede encardida, um velho guarda-loiça, com uma talha de pimentos curtidos, dois ou três pães, uma embalagem de cerveja sem álcool, um garrafão de vinho, um saco de arroz e um covilhete de barro com azeitonas. Noutra parede, sobre uma pequena mesa de madeira, uma pilha de frascos de vidro com mais pimentos curtidos, ao lado, duas colheres de pau enfiadas numa jarra de vidro grosso e baço.

            Enquanto o galo cozia, assámos no borralho umas tiras de entremeada e umas febras. O Mário de vez em quando destapava a panela e mexia. Provava, mudo, um gole curto do molho, que já cheirava a galo e rectificava o tempero. Com o garfo espetava a carne para verificar a cozedura. Quando o galo ficou tenrinho deitou o arroz, pouco, porque segundo dizia, a cabidela quer-se aguada; Depois o sangue. Mais meia hora de cozedura; provou e estendeu-me a colher. Sorvi uma colherada, bem cheia… lenta e sorri, com espanto:

            - Está bom!

            Estava realmente bom; o seu perfume enchia a cozinha. Então todos nos aproximámos da mesa; o António Gata partiu o pão, o Mário encheu os pratos até transbordarem.

            E o Carlos Gata, que não era grande apreciador de cabidela, tentou uma garfada tímida. Provou, e levantou para mim uns olhos alargados de assombro. Outra garfada… Um piscar de olho… E exclamou:

            - Está divino, João!

.                    

           

 



publicado por Manuel Maria às 22:04 | link do post | comentar

8 comentários:
De ana a 15 de Fevereiro de 2008 às 18:25
Hum ... que bom, petisco e amizade!


De Manuel Maria a 28 de Fevereiro de 2008 às 10:39
O melhor foi mesmo a amizade...


De ana a 28 de Fevereiro de 2008 às 18:03
É sempre o melhor, a parte dos afectos.
É o que nos deixa mais fortes, mais em paz com a vida.


De Vilar a 6 de Março de 2008 às 19:39
A aparência não engana. É como o algodão.


De ludgero a 7 de Março de 2008 às 23:41
deve ser divino de tantos anos que tenho como cozinheiro nao tenho vergonha de dizer que nunca fiz uma cabidela me desafiarem para dia 12 deste mesmo mes faser uma cabidela de galo e o farei me pareço estea receita orginal com meus com primentos da bielorrusia


De Vilar a 9 de Março de 2008 às 18:42
Caro ludjero . Por norma, a primeira vez nunca corre bem em coisa nenhuma. Oxalá eu me engane e a receita saia im primor . Eu até nem me importava de comprovar.


De Manuel Maria a 10 de Março de 2008 às 11:47
Podemos repetir a dose na Páscoa... Tenha o Zé Carlos outro galo na capoeira...


De katekero a 10 de Março de 2008 às 21:47
Se não tiver galo, uma ou duas galinhas tambem servem.


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