Dorna
Já caíam as primeiras folhas de Outono. Ouvia-se de vez em quando o assobio longínquo das árvores fustigadas pelo vento e o ruído do portão da rua a bater.
Estava a família do morto e os convidados à volta do caixão; algumas velhas de xaile preto pelos ombros, muito chorosas, e alguns homens. Cheirava a mofo e fazia frio; uma mulher passou com uma braseira, que encaixou no estrado de madeira, ao canto da salinha.
Formou-se então uma roda de quatro velhas à volta da braseira e uma delas, ao ouvido, para outra:
- Foi da fermentação do mosto… - e referindo-se à viúva- aqui a Maria foi dar com ele já desacordado na dorna… - na dorna?- Sim, na dorna… ainda o tiraram, mas já foi tarde…
A outra persignando-se – morte santa; nem um ai… - e, chorosa, julgando que limpava as lágrimas ao lenço, levantou a saia e mostrou as calças à antiga.
Um dos homens começou a rir; um riso que se pegou a todos os que choravam.
De repente sentiu-se um cheiro a queimado.
-Está alguma coisa a arder -avisou alguém.
As velhas levantaram-se, aflitas.
-É o meu xaile… -a viúva em pânico- é o meu xaile…- labaredas- ai acudam!...
E todos acudiram a apagar o fogo, esquecendo por momentos o morto.