Bati à porta do gabinete e fui entrando. O juiz de círculo estava sentando à secretária, no extremo da sala, entre duas pilhas de processos. Interrompeu a escrita; e levantandando-se, dirigiu-se à porta, cumprimentando-me afavelmente:
-Então doutor… o que o traz por cá, tão longe da sua Comarca? – e dando-me uma palmada nas costas – há anos que o não via –aperta-me com força- com tem passado, o meu amigo?
-Menos mal, senhor doutor…menos mal…
E pondo-me a mão no ombro – vá sente-se – e fez-me sentar numa poltrona atrás da porta - sente-se homem… sente-se e conte-me… -sorriu, enigmático- vá lá meu amigo, conte-me… está quente, ou não, essa poltrona?
-Hum… - hesitei- parece-me quente, doutor… porque pergunta?
-É que você nem faz ideia de quem esteve aí sentado antes de si…
-E quem foi, doutor… quem foi?
-Uma gaja muito boa… uma loiraça do caraças…
-Não me diga…
- Imagine você –explicou então, divertido- que a tipa não me larga o gabinete…
- Hum… é coisa séria…já estou a ver, doutor…
-Qual quê!… é a minha vizinha do andar de cima… está a divorciar-se… e o processo dela, veja bem, calhou-me na distribuição!...
-Estou a ver a cena…-ri, divertido.
-Pois…e os funcionários já gozam com a situação…
-Não diga…
-Digo, pois… são todos os dias bocas do género: «então senhor doutor… ah… anda a “comer” a loiraça, não anda?»
-Não diga…ora essa…-finjo-me muito chocado- e o doutor sem o proveito…
-Nem mais… eu bem lhes respondo… ela é que dorme por cima de mim; não o contrário… mas ninguém me leva a sério…
Rimos os dois. E ele, rematou a conversa por ali:
-Ah, que azar ela ser minha vizinha…
-Pois… faço ideia…
- Ah catano!... nem sei o que lhe fazia…