Era sempre pela calada da noite, gelo de Inverno ou fresca a madrugada de Verão, a lua clara no céu apontando o caminho, que os contrabandistas passavam a fronteira, caminhos recruzados, veredas escusas, cabeços, pastos, assomando ao cruzeiro e metendo quelha abaixo, com as cargas e alimárias:
“Ò da casa...”
Meu avô abria a portada da sala, depois a janela; espreitava:
“Quem vem lá?...”
E os vultos descarregavam as mulas, encostavam as cargas, meu avô subia a tranca, abria a porta, candeia na mão, franqueava o palheiro, feno á vontade para os animais.
A avó Maria Emília levantava-se, sonolenta, para avivar o lume, fazer o café, fritar peixe de rio. O avô enchia a jarra de louça verde e oferecia... O vinho, o café, os peixes e acomodação para toda aquela gente.
Os vultos desaparelhavam as mulas, estendiam as mantas de trapo no chão e descansavam.
Sobre a manhã, antes de o sol se levantar, aparelhavam as mulas, ajustavam as cargas e pediam sempre a conta, que o avô, ofendido, recusava:
“Lume e tecto, não se negam a ninguém...”
E eles lá partiam para as restantes duas léguas até ao apeadeiro do Rochoso.
Era assim naquele tempo, a casa do meu avô!