Era uma vez um velho homem que vivia, com a sua velha mulher e o jovem filho, num arruinado solar de antigo morgadio, adossado a um pequeno estábulo, com uma pequena quinta de logradouro e um pequeno ribeiro por vizinho.
Levavam vida simples de trabalho, e o filho, apesar de novo, não havia rapaz mais trabalhador!... horas antes de amanhecer, já ele saia com o gado, e nas noites em que lhes cabia a dua, agarrava na sachola e, com as calças arregaçadas ajudava os pais a abrir os tornadoiros de onde jorrava a água negra do açude, que a terra, sedenta, e requeimada, engolia com satisfação.
E todo o dia, corria como louco à horta e à veiga, cortando as hortaliças, trazendo braçados de erva, que os velhos pais iam colocando nas manjedouras das vacas leiteiras ou no pio do porco.
Tudo o que necessitavam para viver tiravam daquela terra, que não tinha um único bocado inculto, e apesar da pequena, do caminho não se lhe via os limites, tal era o emaranhado de árvores e plantas, nespreiras, macieiras, cerejeiras, pereiras, abrunheiros; tudo coisas úteis para consumo de casa e para fazer algum dinheiro na vila.
Assim foram vivendo a sua ocupada existência, labutando o pão de cada dia, até que, um belo dia, secando a nascente do poço de casa, e tendo que limpar a sua mãe d’agua, deram com um saco de moedas, escondidas num buraco da mina.
Correndo alvoraçados para o arruinado solar, à mesa da cozinha, espalharam as moedas achadas e, contando-as e recontando-as, viram que eram setenta peças de oiro antigas, que bem vendidas a peso no ourives da vila, dariam, alvitrou o velho, uns bons contos de reis.
O velho, a velha e o filho, que viviam em aperto com o magro sustento que tiravam da quintinha, começaram a fazer planos ao destino a dar àquela inesperada fortuna.
O velho sugeriu que comprassem um pequeno tractor e algumas alfaias para rentabilizarem a quinta e suavizarem o trabalho braçal, sendo o resto amealhado para dias de aperto.
A velha lembrou então a viga mestra do telhado partida, as paredes descaiadas do velho solar, o soalho gasto e carcomido dos grandes salões, as portadas a caír, em que o dinheiro seria mais bem empregue.
O filho, que já se enfadava da vida escrava na quinta, e andava de derriço com a filha do regedor desde o bailarico da festa, queria que comprar uma pequena casa na vila.
Teimando cada um com a sua, zangaram-se e deixaram de se falar.
Chamaram então o compadre, com negócio de carros na vila e homem vivido, que chegou no seu novo automóvel, pelo caminho enlameado de quinta, e puseram-lhe o problema.
Este, ouvindo atentamente as razões de cada um, aconselhou que asfaltassem o caminho da quinta e lhe comprassem um carro igual para o rapaz.
E foi isto que eles fizeram.
Há cinquenta anos...
Terra fria, sem arruamentos empedrados, com quase todas as daquela comarca distante do reino, a vila, parecia, naquele inverno rigoroso, uma grande pocilga onde chafurdavam homens e animais.
Tudo ali se apresentava negrusco, sujo e enlameado; os casinhotos dispostos ao longo da abada da colina, construídos em granito enegrecido pelos anos, ressumando a humidade, formavam uma mancha sombria na paisagem.
Naquele dia chuvoso, mal levantara o sincelo dos campos em redor, quando do alto da velha torre, que domina aquela paisagem austera, a sentinela avistou colunas de fumo erguendo-se na direcção da fronteira.
Um almocreve que chegava daquelas paragens, confirmou o que logo se suspeitara: Uma hoste inimiga entrara na comarca e talava a região.
Tocou-se a rebate, recolhendo os habitantes à segurança das muralhas, que o governador da praça reforçou e guarneceu de homens em armas.
Já tudo estava aprestado para a defesa, quando a guarda avançada inimiga apontou no horizonte e, impedindo qualquer fuga ou reforços, contornou a praça, indo estacionar ao longo da ribeira, a qual, corre mansamente a Sul entre vidoeiros desfolhados pela invernia.
O grosso da força, surgiu apenas ao fim do dia e, avançando a passo de fadiga, progrediu na lama das ruas, refocilada por quantos porcos se criavam no lugar e que constituíam o pecúlio e dispensa daquela gente.
Derreada, chegou a força ao terreiro fronteiro ao castelo, que as chuvas e os porcos tornaram um chavascal de vários palmos de profundidade.
Subitamente, à testa da mesma, o comandante deteve a montada e estendendo o olhar, procurou reconhecer os derredores.
Era um grande lodaçal rodeado de uma dúzia de casebres a que o vulto do castelo, recortado à luz mortiça do dia, dava uma expressão lúgubre.
Ficou ali especado a olhar o seu exército atolado na lama. Depois, para o seu cavalo enterrado nas patas até á barriga, sem se poder mexer.
Demorou-se a contemplá-los, um, dois, três minutos; e vencido e cansado, praguejou:
- Conho, que nos atascamos!
E desembainhando a espada, para os homens:
- A volver!
Assim podia a companhia de teatro ter representado o assalto ao castelo de Alfaiates… Bastava vontade e imaginação.
São uns “pixotes”; com medo da chuva!
Destapando a panela:
- Oh, não! – queixou-se o lobo – sopa outra vez? Quem me dera um borreguinho, que faria um belo ensopado!
Eis senão quando, TRUZ, TRUZ, TRUZ,! Bate à porta um borreguinho.
-Posso entrar? -Claro, meu lindo, a casa é tua e vens mesmo a calhar - e emendando a mão – quer dizer… à hora de almoço – disse o lobo, contente.
E o borreguinho foi entrando, e com ele, três cabritinhos, que o lobo não tinha visto e vinham também pelo cheiro da sopa.
-Mas que azar! – resmungou o lobo, que era de paladar apurado, mas burro- o que faço eu com um borrego e três cabritos?
Então o lobo sentou-os à lareira e lembrou-se de procurar no seu livro uma receita de borrego com cabrito. Não encontrou nenhuma, porque só havia receitas de ensopado de borrego; não de borrego e cabrito.
-Que azar o meu! – queixou-se o lobo – como é que vou cozinhar um borrego e três cabritos?
Sentou-se na sua cadeira de balouço ao pé da lareira e enquanto ajeitava o lume à panela, pensava:
- Que faço eu à minha vida?! Meter borrego e cabritos na mesma panela não é ensopado… Depois é misturar os sabores, não aproveitando nenhum. Muito decidido, dum repelão, pegou-lhes pelo braço e pô-las na rua.
- Rua!!! -Mas nós temos fome…
E com um grande estrondo, fechando a porta:
BANG!!!
Gritou-lhes:
-Na próxima, como-vos mesmo!
Mas o cuco do alto de uma ramada próxima, vendo os cabritos, borrego e lobo em redor da panela, confidenciou ao galo, seu amigo, que o borrego e os cabritos tinham almoçado na casa do lobo.
E o galo que não gostava do cão, espalhou pela floresta que o borrego e os cabritos almoçaram em casa do lobo, para combinarem matar o cão!
Há muito, muito tempo, junto a uma nascente, no meio de um descampado, onde mais tarde se viria a erguer uma igreja e um mosteiro, vivia um velho ermitão, rendendo culto a Deus e expiando os seus pecados.
Este ermitão, possuía, como único pecúlio, além do habito em farrapos, uma escudela de barro, que trazia presa ao seu bordão, uma sachola, e a água da nascente, de que era cioso, porque regava um jardim, de suave erva verde, de onde brotavam lindas flores semelhantes a estrelas e uma pequena horta, que ele cultivava com particular desvelo.
Um dia, quando estava o ermitão mondando ervas na sua hortinha, levantou a cabeça e viu passar ao fundo, no caminho, um homem andrajoso e coberto de pó.
-Dá-me de beber -lhe disse o viajante- e repartirei contigo do pão do meu bornal.
O ermitão, em vez de dar-lhe água, pronunciou um grande discurso, acerca dos grandes trabalhos com que escavara na rocha até à mãe daquele fiozinho de água, que naquele descampado, entre fragas e terreno maninho, tornava viçosa a sua horta.
-Por isso já vez – concluiu, por fim - não posso desperdiçar com um desconhecido esta água tão preciosa…
E o viajante lembrou-se daquele dia em que, subindo com os amigos a colina - a terra exalava a aromas estando, como a horta do ermitão, ataviada com o seu melhor manto, como uma noiva em dia de boda - e chegando ao lugar mais elevado, no meio de um jardim de flores rodeado pelas rochas do lugar, falou assim:
- Descansai aqui e abri as janelas do vosso coração, porque tenho um segredo a revelar-vos.
E sentando-se no meio deles, lhes disse na sua voz doce e calma:
- Bem-aventurados os que não se apegam aos seus tesouros, porque só eles serão verdadeiramente livres; Bem-aventurados os que têm sede de verdade porque a sua sede os levará à fonte da vida; Bem-aventurados os que têm fome da beleza, porque a sua fome os levará ao pão!
Decididamente - pensou- aquele ermitão ainda não tinha encontrado o Reino dos Céus, na profundidade do seu espírito.
-Quem bebe do meu sangue – retorquiu o viajante, descobrindo a chaga aberta do peito – jamais terá sede, porque eu sou a fonte de vida eterna.
E seguiu o seu caminho, desaparecendo por entre duas carrasqueiras, precisamente no lugar onde agora, em memória do acontecido, ergueram um cruzeiro.