«Que haja nas tuas acções solicitude, sem deixares, porém, de ter em atenção o interesse comum; ponderação, mas sem indecisão; e que nos teus sentimentos não haja excesso pretensioso de refinamento. Evita a loquacidade, evita a solicitude excessiva. O deus que há dentro de ti deve presidir sobre um ser que seja viril e maduro, homem de estado, romano e soberano; um homem que não ceda terreno, qual soldado à espera do sinal de retirada do campo de batalha da vida, pronto a dar as boas vindas ao seu alívio (1); um homem cuja reputação não necessite de ser afirmada por si próprio, nem avalizada pelos outros. Eis o segredo da alegria, de não depender da ajuda de fora, e de não precisar de implorar a ninguém o favor da tranquilidade. Temos de nos pôr de pé por nós próprios, e não ser postos de pé.» Marco Aurélio in "Meditações"
Chama-se “Atlântida” o ferry que Governo Regional dos Açores, através da “Atlânticoline”, encomendou, por 40 milhões de euros, aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC).
O barco já devia ter sido entregue em Maio de 2008, e faz parte do pacote de quatro que o Governo dos Açores anunciou para dotar o arquipélago «mas os problemas de projecto e de execução foram tantos que o prazo de entrega já derrapou para 13 de Maio próximo. O maior deles era o da estabilidade em avaria, que se estendeu depois à própria estabilidade intacta (em condições normais). No relatório de Fevereiro do Instituto Portuário e de Transportes Marítimos (IPTM), que supervisiona a segurança dos navios e os certifica, ainda lhe eram apontadas mais de 100 reservas e observações.» in Expresso de dia 14-03-09
E a saga continuou, com mais 10 milhões de euros ao orçamento inicial: «Para a corrigir, lastraram-no e reduziram a capacidade de carga do navio de 800 para 600 toneladas (menos viaturas). Foi invocada uma excepção à Convenção de Solas (segurança marítima) para ter menos baleeiras, mas com isso o navio não pode afastar-se a mais de 200 milhas de um porto. E colocaram-lhe a toda a volta um apêndice, uma espécie de "aba" (defensas) que segundo o IPTM pode desequilibrar a descida dos salva-vidas e, consequentemente, lançar os seus ocupantes ao mar. O navio ficou mais pesado e a capacidade de desenvolver velocidade menor. […] O navio afundou meio metro - e criou-se um novo problema com a altura das rampas de acesso nos portos. […] Face à reclamação de que o peso da âncora não era suficiente, foi aumentada a corrente, sem ponderar que em muitas baías do arquipélago não há espaço para tal» Ibidem.
O “Atlântida” bem poderá ser a glória do Governo Regional dos Açores, mas só mesmo com um milagre de Maio navegará. Gastaram uma maquia daquelas, que o pudor me impede de escrever, num ferry cujas tendências em mar alto são para se deitar e que só navega com terra à vista; é o que significa ”problema na estabilidade intacta” e “não poder afastar-se mais de 200 milhas de um porto” -quero ver como o levam de Viana aos Açores! Como isso não bastasse, “colocaram-lhe uma espécie de aba que pode desequilibrar a saída dos salva-vidas e lançar os ocupantes ao mar”. Se algum dia alguém embarcar naquele esquife a hélice, que faça disposições de última vontade!
Ainda não saiu do estaleiro e já “afundou meio metro”… Aquilo, meus senhores, é uma grande jangada que Carlos César encomendou, para submergir, com lastro e âncora, no mar dos Açores, como a lendária Atlântida!
Enfim… O Honrado Governo dos Açores, quis dotar as ilhas de uma carreira marítima. Nada mais justo. Mas justificava-se que gastassem 50 milhões num barquinho de papel?
(Em desagravo pelos insutos dos manifestantes da semana passada)
Phoebus uolentem proelia me loqui
uictas et urbes increpuit lyra,
ne parua Tagus per aequor
uela darem. Tua,Iosephus, aetas
fruges et agris rettulit uberes
et signa nostro restituit Ioui
derepta Lusitanorum superbis
postibus et uacuum duellis
Nostrum dux clausit et ordinem
rectum euaganti frena licentiae
iniecit emouitque culpas
et ueteres reuocauit artes
per quas Lusitanum nomen et Europae
creuere uires famaque et imperi
porrecta maiestas ad ortus
solis ab Hesperio cubili.
Custode rerum Iosephus non furor
ciuilis aut uis exiget otium,
non ira, quae procudit enses
et miseras inimicat gens.
Non qui profundum Danuuium bibunt
edicta rumpent Socratica, non Getae,
non Seres infidique Persae,
non Tanain prope flumen orti.
Nosque et profestis lucibus et sacris
inter iocosi munera Liberi
cum prole matronisque nostris
rite deos prius adprecati,
uirtute functos more patrum duces
Lydis remixto carmine tibiis
Olissiponemque et Anchisen et almae
progeniem Iosephus perclarus.
(que me perdoe Horatio...)
Foto de Júlio Marques in vilarmaior1@blogs.sapo.pt
Há momentos de recolhimento assim, em que um homem se transfigura e a sua alma brilha como uma auréola...
pulvis et umbra sumus!
Como as folhas somos;
Que umas o vento as leva emurchecidas,
Outras brotam vernais e as cria a selva:
Tal nasce e tal acaba a gente humana
(Homero)
Que emudeça o relógio da sala,
Abandone-se às silvas o quintal,
Tranque-se o portão a cadeado,
e o sinal marque o compasso
Da saída do cortejo com o caixão.
Que as pombas, voando acima do casario
Escrevam no céu a notícia triste da sua morte
E as flores do campo fazendo luto,
Com delicadas grinaldas ornem a sua fronte.
Nasceu como a roseira-brava
Que brota, viçosa, na Primavera
E o frio queima no Outono.
Contou as estrelas do céu infinito,
Bebeu o húmus da terra,
gozou o sol nas pétalas,
coloriu a paisagem,
se deu em néctar
e perfume.
Como botão de rosa veio,
Como pétala seca
a leva o vento!
A sua alma desfizera-se
sem que percebesse.
Descalçou-se,
Dobrou a roupa sobre a cama,
Encharcou-se em comprimidos,
E adormeceu.
Cansara-se
Da magreza do salário,
Do peso da hipoteca,
Da mulher disforme,
Da vida estúpida.
Cada dia que passava
Morrendo
Da Alma.
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.
Fernando Pessoa ( Alberto Caeiro)
Hoje não sei que impulso parvo me deu, que acedi ao site do Grupo Parlamentar do PS e me pus a ler as intervenções dos seus deputados e dirigentes.
O resultado foi abrir os respectivos mailes e descarregar a minha bilis.
Depois de uns quatro ou cinco mailes, tive que me conter e bater em retirada assim:
« Olhe,
Caro Alberto Martins:
Estava a ler todas as intervenções dos deputados do PS pela página do site do grupo paralamentar abaixo.
Vou parar por aqui, porque isto faz-me muito mal ao fígado e teria que malhar a torto e a direito, como o seu camarada Santos Silva.
Fecho aqui a página e vou apanhar uma réstia de sol, que está um dia tão magnífico, que seria uma pena desperdiça-lo lutando contra odres de vinho!
Não foi minha intenção ser inconveniente consigo ou seus colegas, mas às vezes parece que vocês vivem noutro país, noutro mundo, que não o nosso. E às tantas até vivem!
Atentamente
JV»
Azar dos diabos; a tradução do jogo do magalhães, logo tinha de ser um teste em novas tecnologias, feito por um emigrante para certificação do nono ano, no ambito das novas oportunidades!
Recebi a seguinte mensagem de D. Duarte de Bragança, chefe da Casa
Real Portuguesa e presidente de honra do Instituto da Democracia
Portuguesa, proferida hoje, por ocasião do encerramento do I
Congresso Marquês Sá da Bandeira em Lisboa:
«PERGUNTAS À DEMOCRACIA:
Tem vindo a crescer em Portugal um sentimento de insegurança quanto
ao futuro, sentimento avolumado por uma crise internacional,
económica e social, de proporções ainda não experimentadas pela
maioria dos portugueses. São momentos em que importa colocar
perguntas à Democracia que desejamos.
Admitindo-se que a situação concreta é grave, torna-se necessário
encará-la de frente, antevendo todos os aspectos em que os
portugueses experimentam dificuldades.
Os tempos de crise vão-nos trazer privações mas também vêm
exigir reflexão. Este é o momento de olharmos para o que somos.
Para este país tão desaproveitado. Para a sua costa atlântica com
Portos tão ameaçados, para uma fronteira tão vulnerabilizada, para
um património cultural tão desaproveitado.
Temos de perguntar até onde deixaremos continuar o desordenamento do
território, que levou a população a concentrar-se numa estreita
faixa do litoral, ocupando as melhores terras agrícolas do país e
esquecendo o interior, reduzido a 10% do PIB.
Temos de perguntar à economia portuguesa por que razão os bens de
produção são despromovidos perante os “serviços”, o
imobiliário, e ultimamente, os serviços financeiros. O planeamento
das próprias vias de comunicação se subjugaram a essa visão.
Temos de perguntar até onde o regime democrático aguenta, semana
após semana, a perda de confiança nas instituições políticas e
uma atitude de “caudilhização” do discurso.
Temos de perguntar até onde continuaremos a atribuir recursos
financeiros a grandes naufrágios empresariais, ou a aeroportos e
barragens faraónicas que são erros económicos.
Temos de perguntar até onde o sistema judicial aguenta, sem
desguarnecer os direitos dos portugueses, a perda de eficácia e a
morosidade crescente dos processos.
Temos de perguntar se não deveríamos estabelecer um serviço de
voluntariado cívico em que os desempregados possam prestar um
contributo à comunidade.
Temos de perguntar até onde as polémicas fracturantes que só
interessam a uma ínfima minoria política, não ofendem a imensa
maioria das famílias, preocupadas com a estabilidade pessoal e
económica.
Temos de perguntar como vamos aproveitar o ciclo eleitoral que se
avizinha, a começar pelas eleições europeias, onde será
desejável que apareçam independentes que lutem pelos interesses
nacionais.
Temos de perguntar se nas relações lusófonas, estamos a dar
atenção suficente às relações especiais que sempre existiram
entre Portugal e o Brasil.
Para ultrapassarmos as dificuldades, precisamos de todos os nossos
recursos humanos em direcção a uma economia mais “real”, mais
sustentada, mais equitativa, uma economia em que respirem todas as
regiões a um mesmo “pulmão”.
Apesar de tudo, o nosso sector bancário fugiu das estrondosas
irresponsabilidades dos congéneres mundiais. Saibam os Governos
regulamentar os apoios para as empresas grandes, médias ou pequenas
mas que sejam produtivas.
Em regime democrático, exige-se processos e discursos ditados pelo
imperativo de responsabilidade. A equidade e integridade territorial
só poderão ser obtidas com a participação de todos, e com
sacrifícios para todos.
Estamos confiantes que somos capazes de fazer das nossas fragilidades
as nossas maiores vantagens. Onde outros tiveram soluções muito
rígidas que falharam, nós venceremos promovendo os portugueses que
lutam por um país de imensas vantagens competitivas.
Mostremos como somos um grande País, uma Pátria em que todos cabem
porque acreditam na Democracia. Portugal precisa de mostrar o seu
projecto para o século XXI. Pela minha parte, e pela Casa Real que
chefio, estou, como sempre, disponível para colaborar.»
Respondi assim:
«Alteza Real,
Essas perguntas que V. Alteza faz, são pertinentes e de bom senso, porque o nosso regime está falido e chegou a um impasse. Facto evidente!
Da-se o acaso de até ser simpatizante da causa monárquica. O Senhor D. Duarte, põe as questões muito bem. Quem lhe responde? O Senhor D. Afonso Henriques, lá da tumba de Santa Cruz? O Senhor Presidente Cavaco Silva, do remanso de Belém? Os políticos da República na fila das benesses e proveitos da coisa pública?
Não querendo ser impertinente, Senhor D. Duarte, V. Alteza, faz como o poeta: «Pergunta ao vento que passa, mas o vento, cala a desgraça; o vento nada lhe diz"!
Modestamnete penso que isto só já lá vai à maneira antiga: À "bordoada!"
Respeitosamente, beijando a mão de V. Alteza Real,
João Valente»