A horta do tanque. Manhã e tarde
e a terra por semear.
Entra o mês de Setembro. Cai a folha
e a terra por semear.
Renata se deita. Renata acorda
e a terra por semear.
Levanta-se o sol. Orvalha o campo
e a terra por semear.
Chega a noite. Cansaço no corpo
e a terra por semear.
Fim de semana. Namorado em casa
e a terra por semear.
Impaciente
È o teu corpo
Em vulcão!
Geme,
Estremece,
À carícia apaziguadora
Das mãos.
Expelida a lava,
Calmo,
Adormece.
Para colher o pôr do sol na boca dele
ela corria os escondidos caminhos da aldeia
enganando o pai, severo juíz de comarca.
À noite, quando havia muitas estrelas no céu,
Fugiam para a fraga do Outeiro
e ela deitando-se mansamente no colo dele
dizia apontando para o buraco escuro lá no alto:
- Aquela estrela é a minha, e a tua, ternura, qual é?
E todas as noites daquelas inesquecíveis férias
ficavam deitados a ver na fraga do Outeiro as estrelas,
enroscado-se um no outro, de mãos dadas,
gozando a fresca da noite que subia o vale.
Então ela deitava-se mansamente no colo dele
e dizia, apontando para o buraco escuro lá no alto:
- Aquela estrela é a minha, e a tua, ternura, qual é?
É como a chuva,
O amor.
Cai na aridez dos nossos corações,
Em grossas bátegas
Ou
De mansinho.
Corre depois,
Pelos bueiros da vida,
Engrossa os caudais da ilusão,
Desagua calmo,
Num mar de beijos e abraços;
E navegando
Em sulcos de espuma branca,
Na cama de sargaços
É paixão.
Origem da Via láctea
Quando a mão aberta da noite
Acariciar,
A vítrea superfície da tua janela,
Estende a testa
Aos rutilantes beijos das estrelas,
Deixa o rasto ígneo dos cometas
Incendiar-te a boca,
A primaveril explosão da flor,
Tão alegre,
E voluptuosa,
Refluir em ti
Para o urgente abraço
Dos sexos
Na rendilhada geometria
Desta cama.
A pensão está igual há vinte anos -. vai em breve para obras, disse-me o Luís-. Parei do outro lado da estrada, junto ao buxo e observei a silhueta do edifício durante algum tempo. Depois atravessei. No primeitro andar lá estava pintado o nome do estabelecimento seguido do número de telefone antigo ainda começado em 471. Ao tempo que mudaram os três primeiros digitos! Decidi entrar e ver o que era o jantar.
Um grande ruído vinha da sala de refeições, que estava à pinha: Gritos de crianças correndo pelo café, empregados para trás e para a frente, copos a tenirem, travessas no ar, e ao balcão um grupo já de meia idade bebia vinho branco e comia pevides.
Não valia a pena pensar em jantar sossegado, com aquele barulho. Aproximei-me de um canto do balcão para beber também uma taça de branco da região. Depois íria deitar-me.
No grupo havia velhos conhecidos, dos meus tempos de juventude, mas agora todos mudados. Revi numa cabeça calva, com olhos redondinhos, faces coradas, cigarro no canto da boca um colega de escola. Estavam todos agora mais velhos, instalados em proeminentes barrigas e falavam sobre a reunião dos bombeiros, do ensaio da "Boa União" e do preço da madeira cobrada pelos serviços florestais.
O tempo tinha passado mas tudo continuava, no entanto, ridiculamente, reconhecível. Aquilo que menos mudara fora o salão de entrada. Lá continuavam a cabeça embalsamada de cabra, sobre a porta da sala de jantar, com os seus quatro chifres; a capa de pastor em lã castanha, as cordas do bardo, o cajado e os "skis" de madeira pendurados, com umas botas grosseiras, numa das paredes.
O bom vinho branco da região continuava a fluir, igualmente macio e alegre, com um brilho amarelo vivo no copo de três e despertava em mim a memória adormecida daqueles bons tempos de outrora.
Bebi mais um. Depois outro, e mais outro até lhes perder a conta. E fui-me chegando ao grupo e participando na conversa, como um normal forasteiro, que de repente se viu atirado para o meio deles. O convite também não foi para menos:
- Ó amigo, chegue-se para cá e junte-se à gente!
O Luís partiu um queijo, vieram uns cestos de pão, abriram-se mais umas garrafas e ao fim da noite, subi de gatas ao primeiro andar. Há que tempos o não fazia!
Não sei que me deu, que entrei descalço como antigamente e abri a porta também com mil cuidados, não fossem a Ti Maria e o Ti João ainda estarem acordados.
Depois me lembrei: Que idiota eu sou, eles já cá não dormem há tantos anos... E conclui então que tudo continuava como antigamente, só uma coisa mudara naquela casa: Os meus padrinhos já não viviam por cima do restaurante.
Ela penteou o lindo cabelo
negro,
pôs duas pitadinhas de Chanel
no pescoço,
uma de cada lado
atrás do lóbulo,
realçou a sombra das sobrancelhas,
fixou o contorno aos lábios,
disfarçou as primeiras rugas
ao espelho,
e apanhando a bolsa sobre a cama,
fechando atrás de si a porta
com duas voltas de trinco,
desceu ao encontro dele,
que a esperava na rua
impaciente.
Seguiram os dois pela marginal,
bebendo a maresia da praia-mar,
de costas voltadas para a cidade,
que ficou para trás
no rio.
Depois, vendo o Atlântico do molhe
da Foz,
meteram uns dedos de conversa
circunstancial
com um estranho,
que por ali pescava
e a quem deram
o número de telemóvel
à despedida.
Ela deixou também o "email" e morada
-que imprudência! - lhe disse ele-
e na volta para casa,
feita a pé,
tomaram ainda um "cimbalino"
no bar em frente.
Atravessando depois a rua
sozinha,
ela atirou-lhe um beijo
da entrada do prédio,
que ao dobrar a esquina,
apressado,
ele já nem viu.
Merendei no baldio, junto à vinha do meu avô, onde ampla carrasqueira me protegia do sol. Pão, centeio, chouriço e queijo... Após algumas horas de caminhada pela vereda, sob o calor forte da tardinha, comer aquele pedaço de pão que trazia na sacola, foi um prazer único.
Do outro lado do muro começa o lameiro grande onde a Isabel me deu o primeiro beijo. Foi num Verão, durante as festas de santo António, a que fui a convite de um primo meu. Ela casou fora e tem uns dois filhos, um deles menina, com o nome de Isabel também. Hoje é tudo o que sei dela e já é mais que suficiente.
Enquanto comia o chouriço e o centeio lembrava-me do rosto da Isabel, um rosto pequeno, redondinho, com as sobrancelhas sobre uns grandes olhos escuros. E pensei naquele fim de tarde, no meio dos freixos, deitados na erva, o modo como ela cedeu, lenta, hesitante, e depois recebeu o meu beijo com um estremecimento e depois correspondeu.
Ergui-me, guardei a navalha, e retomei a caminhada. Mais quinhentos metros, ao cimo da eira, avistei a povoação. Detive-me e observei o sol a cair sobre o vale. Rapidamente tudo se incendiou de laranja, com faixas brilhantes de nuvens a atravessarem o céu.
Quando se desvaneceu a batalha daquelas cores no horizonte, olhei para o casario e deparei-me, espantado, com o monte da Senhora das Preces e os telhados a ficarem cada vez mais escuros. E lembrou-me o cabelo da Isabel, também ele escuro e comprido, que afastei quando lhe acariciei a nuca no envolvimento do beijo.
Sobressaltado com aquelas gratas recordações, num pulo desci a eira e cortei pelo caminho das hortas. No Largo do cruzeiro, sob a nogueira grande, à luz do candeeiro da esquina, apanhei uma noz esquecida, que meti ao bolso. E veio-me à lembrança aquele chocolate françês em forma de noz, que partilhámos línguas com línguas, a seguir ao beijo.
Dobrada a esquina, o portão da minha tia. Enfim a salvo da lembrança aos beijos quentes da doce Isabel!
Sou o tempo que passa água estancada na presa. Já não verei o sol matinal levantar-se na colina, o regato a cescer no próximo Inverno, a Primaveril explosão da flor no monte, a bolota dos carvalhos a caír ao vento. Decidi morrer apagar a luz firme dos olhos lentamente exactamente à hora em o que o sol se ponha sobre a carrasqueira de eira onde tantas vezes dormi a sesta em menino. Aguardo só que a tardinha traga o silêncio, varrida a eira arrecadado o grão. já nem me alegra o cabelo ruivo das barbas do milho no verde das leiras. Já morri por dentro e por fora... A terra acabada de regar já não me cheira como dantes! Já morri por dentro e por fora... Só aguardo a hora em o que o sol se ponha sobre a árvore da minha infância! Já morri por dentro e por fora... Sou água sem corpo que a terra há-de beber.
Já morri por dentro e por fora
milhares de vezes.
No largo da praça
Em dia de festa
Havia alegria e música
Estrondo de foguetes no ar
bancas de amendoeiras
bailarico até madrugada.
No meio da noite
Os arcos enfeitados de balões e luzes
alegravam as ruas
E passavam cambaleando
os foliões.
Apenas de vez em quando
O ruído de um vómito
ou latir dos cães
cortavam o silêncio.
Onde estão agora os que há pouco
Dançavam,
admiravam o fogo preso
e compravam amêndoas
No largo da praça?
Estão todos dormindo,
Já todos dormem
Profundamente
Já não ouço mais as vozes daquela gente:
Meu avô,
Minha avó,
O Ti Chico ,
A Isabel Bárbara,
O Quim,
As duas Matildes,
A velha e a nova
Onde estão todos agora?
Estão todos dormindo,
Já todos dormem
Profundamente.
Mãe e filha,
cruzam-se com amiga:
-Olá... Duduuu!
-Olá...
Amiga inclinando-se
sobre a petiz:
- Tens de dizer ao papá
para fazer um mano!
E fazendo-lhe uma festa:
-Diz assim: papá, faz um mano...
-Papá, faz mano...
-...Para a Dudu brincar!
-...Pá Dudu bincaar!
Passa o carteiro,
que já vai atrasado na volta:
-Dá mano pá Dudu bincar!
E ele sorri.
O Abade,
Que vai atrasado para a missa:
-papá... dá mano à Dudu!
Sorri também.
Volto à mesma praia,
a este mar imenso e sereno
e deito-me na areia molhada,
cabeça recostada no liso da rocha
a ver o sol mergulhar
e as estrelas uma a uma
a acenderem-se no horionte.
Como é boa a praia,
como é bom o mar,
como é bom o sol,
como é bom o céu
e tão perto estão as estrelas
quando os olhos são livres
para voarem.
Alexandre Badana
Estava sempre chegando
De algum lado.
O cheiro a bode
Subia das botas ensebadas.
Da boina encardida
Descaíam as madeixas,
Rebeldes.
Ao ombro
A machadinha,
De cortar rama.
E ao bode velho
Chamava Zé.
Alexandre Badana
Estava sempre partindo
Na poeira do gado.
Comia o pão
Apressado
Resmungando
Do Triste fado.
E à cabra ruça,
Chamava Amélia.
simplesmente beijar as flores
Despir o corpo,
Atravessar o trigo
Caído de maduro,
Ondas de frescura
E mar.
O corpo em barcaça
Indo por aquela espuma adentro,
Braços abertos em remo
E as ondas de espigas
A salpicarem
A palma das mãos.