«Por vezes as pessoas dizem-me que a infância é o melhor da vida e tudo o que se segue são apenas desilusões e poucas satisfações. Isto não me parece correcto e de qualquer modo um jovem atrevido ou um mestre esperto e bem preparado na sua oficina é bem diferente de um pequeno rapazinho imaturo. Apesar disso, por vezes, quando penso no passado, sinto-me estranhamente como o camponês que quando está a três horas da sua aldeia volta para trás. Não é que eu tivesse querido ficar criança para toda a vida ou morrido muito novo, não. Mas a vida é como um brinquedo muito bonito que se promete às crianças. Então elas esperam e esperam e morrem de qualquer avidez e impaciência por este belo objecto. E depois acabam por recebê-lo e têm-no na mão, brincam com ele e durante uma hora estão como que enfeitiçados de alegria, mas essa hora passa e depois vêm que na verdade não passa de uma coisa como as outras e a magia desaparece. É por isso que eu gostaria de poder voltar a ser criança durante uma hora. Não por causa da idade das crianças – pois as crianças também são pessoas e não têm as almas tão puras como se lê nos livros. Mas gostaria ainda de me alegrar tanto com a vida e de voltar a sentir o céu cheio de anjos. Porque naqueles tempos, quando olhava para as montanhas, imaginava o mundo um livro aberto de mágicas imagens coloridas, cheio de cidades deslumbrantes, rios poderosos, mãos fortes de homens selvagens, aventuras e sedução.»
Herman Hesse, autor alemão, naturalizado suíço, Prémio Nobel da Literatura em 1946.