Segunda-feira, 14 de Abril de 2008

 

 

 

 

 

            «Respondeu Nausicaa de níveos braços (a Ulisses que naufragara nas praias da sua pátria): Estrangeiro, visto que me pareceres ser mau nem insensato (…) já que vieste à nossa cidade e a esta terra, não terás falta de roupa nem de nenhuma coisa das que necessita um pobre desgraçada que vem ao nosso encontro. Quero indicar-te a cidade e dizer-te o nome destas gentes.»

           

            E a jovem recorda às servas assustadas com o estrangeiro:

 

            «Fugis à vista de um homem? Julgais, porventura, que é algum inimigo? (…) Este que chegou aqui é um infeliz que anda errante. Nós devemos cuidar dele, porquanto São de Zeus todos os estrangeiros e indigentes; e o bem que se lhe faz, por pequeno que seja, é precioso. Dai-lhe, pois, de comer e de beber; e em seguida levai-o, num lugar abrigado do vento.»

(Odisseia, VI, 187 e ss)

 

 

 

“Não posso existir sem o outro, que o não será plenamente se em tudo me for idêntico”.

(Eduardo Lourenço)

 

 ...

 

«Não me chames estrangeiro

Não me chames estrangeiro, só porque nasci longe

Ou porque tem outro nome essa terra donde venho.

Não me chames estrangeiro porque foi diferente o seio

Ou porque ouvi na infância outros contos noutras línguas.

Não me chames estrangeiro se no amor de uma mãe

Tivemos a mesma luz nesse canto e nesse beijo

Com que nos sonham iguais nossas mães contra o seu peito.

Não me chames estrangeiro, nem perguntes donde venho;

È melhor saber onde vamos e onde nos leva o tempo.

Não me chames estrangeiro, porque o teu pão e o teu fogo

Me acalmam a fome e o frio e me convida o teu tecto.

Não me chames estrangeiro; teu trigo é como o meu trigo,

Tua mão como a minha, o teu fogo como o meu fogo,

E a fome nunca avisa; vive a mudar de dono. (...)

Não me chames estrangeiro; olha-me nos olhos

Muito para lá do ódio, do egoísmo e do medo,

E verás que sou homem, não posso ser estrangeiro.»

 

(Rafael Amador – poeta e cantor Argentino)

 



publicado por Manuel Maria às 11:48 | link do post | comentar

4 comentários:
De ana a 14 de Abril de 2008 às 12:11
Uff !
Este poema toca fundo.


De Manuel Maria a 15 de Abril de 2008 às 14:44
É sobre um conceito de honra que todos esquecemos neste mundo cada vez mais global: A "Xenia", que era praticada no mundo arcaico e implica a dupla reciprocidade em dar Hospitalidade e recebe-la; Em recebê-la e dá-la. Somos cidadãos do mundo. A casa da humanidade é o mundo inteiro onde todos temos direito de viver em plena igualdade no respeito pela rica diversidade de raça, credo e cultura de cada um, que é a prova da riqueza do género humano.


De ana a 15 de Abril de 2008 às 22:46
Aliás, a citação que faz de Eduardo Lourenço consagra a ideia de que só somos completos quando nos relacionamos.
Alguém exprimiu o princípio de que algo de bom será sempre melhor se partilhado.

Quanto à Hospitalidade (mesmo para com estranhos) ainda resta alguma coisa - penso em alguns países árabes ou orientais.


De Manuel Maria a 15 de Abril de 2008 às 23:05
ainda..


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